A volta e a crise do retorno de um intercâmbio

Ser você mesmo é mágico. Contagia. Contamina. Por mais que as tags ou as legendas imprimam letras de músicas e pensamentos na linha “I don’t care”, a verdade é que tudo depende de onde estamos e quem nos rodeia. Existem lugares, pessoas e situações que criam uma espécie de retroalimentação de alegria, de amor, de compaixão. Assim foi o meu último ano.

Hoje me sinto entrando em um buraco e há alguns meses me sentia escalando montanhas. E, de fato, “escalamos” algumas. Escalamos e fomos uns os degraus do outro. Sem pisar em ninguém. Um ajudando a subir, empurrando, e o outro lá em cima, puxando o de baixo. Não porque somos as melhores pessoas do mundo. Não porque sabemos mais do que alguém. Não porque somos qualquer tipo de exemplo. Acontece que existem pessoas e pessoas. E quem bota a mochilinha nas costas e vai, me desculpem, mas é um tipo de pessoa diferente.

Ainda dentre essas, existem tipos e subtipos, mas dois deles são os mais importantes: os que pulam do barco e voltam antes da mágica acontecer e os que, dia a dia, vão descobrindo quem são e do que são capazes. Os que ficam, se unem, se grudam, se ajudam, mostram uns aos outros até onde conseguimos ir e o que mais precisamos buscar para encontrar nossos eus. Queremos o bem e estamos “livres, leves e soltos” pra querer, batalhar e conquistar qualquer coisa. Não é aquela liberdade adolescente de fugir de casa pra dominar o mundo.

Foto: Arquivo pessoal

É uma liberdade de muitos dos valores que nos foram embutidos e fazem um mal absurdo. É a liberdade do preconceito. É a leveza de dançar e gritar sem medo e vergonha de ninguém, porque nada importa. É não fazer nada apenas porque é bonito fazer, ou porque alguém vai achar legal, ou porque é cult, ou porque na foto vai sair bem, ou porque faz parte da vida ter uma carreira, um carro, uma casa, uma camisa da marca “VTNC”. Não! É simplesmente agir.

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É ter orgulho de ir numa festa, não por estar bem vestido ou bem comportado segurando um copinho de uísque cheio de etiqueta, olhando o DJ tocar, mas sim, ter orgulho de estar feliz, se divertindo, com gente alegre e se acabando de dançar. É ter orgulho de limpar privada e pagar todas as contas do mês com esse dinheiro e dormir leve, acordar leve e pegar um trem pra passar o fim de semana numa praia linda, onde, mais uma vez, ninguém tá ligando se você é gordo, se é magro, se o biquini é do brechó ou da grife do fulaninho de tal.

Em um ano, eu não sentei a bunda em um restaurante sequer. Nem pizza, nem sushi, nem nada do que é legal postar no Instagram. Quando fazíamos algo, o foco nunca era o que estávamos fazendo, mas sim o fato de estarmos juntos. Podia ser sushi, claro, em casa, dando risada, mas podia ser bolo de cenoura, arroz com batata frita, nuggets com macarrão. Nunca fui tão feliz!

Dizem que a crise do retorno de um intercâmbio pode levar até dois anos pra passar. Hoje, quase três meses de volta, a sensação é ter voado de asa delta e visto o mundo de cima. O problema é que o pouso está sendo dolorido. Talvez minha asa delta tenha colidido em alguma montanha.

Eu vi gente sendo feliz de pijama no mercado, contando moeda pra comprar pão, emprestando dinheiro com prazer porque tava ajudando um amigo. Hoje confesso que é difícil enxergar as coisas dessa forma. Vejo gente reclamando aos montes, esbanjando saúde, tendo todos motivos pra ser feliz. Feio de se ver.

Vejo gente tentando mostrar que é feliz sem saber nem o caminho da felicidade e, infelizmente, isso me afeta. Por isso tô desabafando. A luta aqui é outra. A luta aqui é tentar ser você mesmo, quando todo mundo que foi importante pra que você conquistasse isso já não está mais por perto. A luta aqui é tentar ser simples e feliz com quase nada, quando as pessoas querem te convencer de que tu vai ser mais feliz se tu fizer um concurso, uma pós, um mestrado, comprar isso, aquilo. Porque, aqui, tu não pode simplesmente cravar um guarda-sol na praia e vender cerveja. Aqui, isso é sinônimo de insucesso, de dar um passo atrás.

A luta é tentar suprir suas expectativas sem enxergar que outras pessoas estão depositando expectativas em você. E aí? Como faz? Quando se está em um intercâmbio, a gente tem muito tempo pra refletir, muito tempo pra pesar prós e contras, pra se arrepender, pra recalcular, recomeçar. À todos os amigos que cruzaram meu caminho em Dublin, só queria deixar registrado que vocês não têm ideia da falta que fazem e da importância que têm na minha vida.

À minha família e aos meus amigos próximos, o que posso dizer é que na saudade a gente dá um jeito, o que não se dá jeito é forçar uma adaptação onde seus valores não se encaixam mais. E aos demais interessados, se não me virem mais, não se assustem”. Posso estar em Dublin, em qualquer parte do mundo, ou até mesmo vendendo picolé aqui na praia – e isso não será sinônimo de fracasso ou qualquer outra opinião pronta.

Se eu encontrar minha felicidade ali, é ali que eu vou ficar. Beijo no coração!

Sobre o autor:
Edu Marasciulo tem um espírito aventureiro, uma paixão incondicional pela vida e um anseio por experiências novas. Viveu um ano em Dublin e dentre outras formas artísticas que usa para se expressar, está a escrita. Através de seus textos, externaliza alegrias, sensações, desejos, medos e muitas histórias de viagens. Para segui-lo, basta acessar o canal do Youtube: Edu pelo Mundo.

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