Saúde

Brasileira auxilia famílias na estimulação de crianças com necessidades especiais

Se para muitos a Irlanda é um destino que as pessoas procuram para aprender inglês ou fazer uma faculdade, por exemplo, para a recifense Marina Barros Bezerra de Melo, 34, o país acabou se tornando o plano de fundo para uma nova experiência na criação de seu filho.

Foi na ilha que a mãe do Bernardo começou a aprender mais sobre a Síndrome de Joubert, doença rara descoberta enquanto ele ainda era bebê, entrando de cabeça no universo do desenvolvimento infantil. A partir de então, Marina começou a compartilhar suas descobertas de estimulação precoce com mais e mais pessoas e fez de seus estudos sua profissão.

Hoje, vivendo em Athlone com sua família, ela soma títulos como Educadora da Primeira Infância, Assistente de Crianças com Necessidades Especiais e Educadora Parental em Disciplina Positiva. Com eles, exporta conhecimento e, com um canal temático sobre o assunto, auxilia centenas de famílias em como poder entender melhor seus bebês e estimulá-los para o desenvolvimento.

Irlanda: nova casa, novos desafios

Marina Barros Bezerra de Melo começou a aprender na Irlanda como estimular seu filho Bernardo em casa. Foto: Acervo pessoal

Marina morava no Peru e estava estava grávida quando seu marido recebeu uma oferta de emprego para trabalhar em Athlone, no condado de Westmeath, na Irlanda. Durante o processo, Marina deu a luz a Bernardo em Recife, sua cidade natal.

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“Com um mês mais ou menos já começamos a perceber que algo não estava indo bem com o desenvolvimento dele. Ele não fazia contato visual durante as mamadas e seu corpinho era molinho como um de um recém nascido”, explica Marina.

A família começou a investigar, fazer testes e mil consultas (ainda no Brasil). Neste tempo, o marido de Marina arrumava as malas para viajar para a Irlanda. O diagnóstico da Síndrome de Joubert — uma síndrome genética rara que acomete o desenvolvimento global do portador — veio quando Bernardo tinha três meses.

O marido viajou primeiro para Irlanda para se ambientar e, um mês depois, em março de 2017, Marina e o filho, já com cinco meses, o acompanharam. “Foi aí que eu me joguei no universo do desenvolvimento infantil. Eu sabia que meu filho precisava de estímulos para se desenvolver e, com a mudança, eu sabia também que iria levar um tempo para termos acesso ao sistema de saúde. Então eu já tinha essa cabeça de que não poderia esperar ele começar a ir aos médicos e terapias, eu precisava agir.”

Leia também: Intercâmbio para pessoas com deficiência

Estimulação precoce: aprender e compartilhar

Marina começou a estudar por conta própria com livros, cursos e muita curiosidade sobre o tema. Foi quando ela decidiu criar um canal sobre o assunto para compartilhar o seu conhecimento e desenvolvimento. O Estimulação Precoce surgiu em 2017, diretamente de Athlone, com Marina abrindo sua vida como um livro a seus seguidores.

Superdidático, o canal não foca apenas em crianças com a Síndrome de Joubert, mas com outros tipos de síndromes. “O objetivo era compartilhar meu dia a dia de rotina e atividades com ele, e conhecer outras famílias que também tivessem filhos com deficiência. Eu era a única pessoa do meu círculo de amizade e família com um filho atípico, eu precisava não me sentir só no mundo”, relembra Marina, que estava em um país novo, cidade nova e sem domínio do inglês até então, além de longe de amigos e famílias.

“Vivia meu primeiro isolamento social da vida! Muitas mães se conectavam com a minha jornada e pediam dicas de estimulação. À medida que fui estudando e me capacitando para ele, percebi que eu poderia usar meu conhecimento para ajudar outras famílias também.”

Trabalho voluntário: conexão com a comunidade

Desde que chegou à Irlanda, em 2017, Marina compartilha seus aprendizados sobre estimulação precoce com centenas de famílias. Foto: acervo pessoal

Além do universo virtual, Marina encontrou no trabalho voluntário uma forma de se aproximar da comunidade e desenvolver o inglês. “Trabalhei em uma escola, em um “Lego Club” e também no NCBI, com um grupo de crianças com deficiência visual. Foi aí que eu percebi que o que eu estudava e desenvolvia com meu filho, poderia mesmo ser uma profissão.”

Em 2019, Marina foi contratada por uma escola de Athlone onde trabalha até hoje e lançou seu primeiro ebook de atividades para pais de crianças com deficiência. E não parou mais.

“Hoje meu maior público são famílias de crianças com deficiência que querem aprender a brincar e desenvolver o potencial dos seus filhos em casa e eu ajudo essas famílias através de mentorias, workshops, cursos e ebooks.”

Leia também: Dublin é uma cidade acessível para deficientes?

Mais de 500 famílias auxiliadas

Se em um primeiro momento Marina estava sozinha na luta pelo desenvolvimento de seu filho Bernardo, agora ela tem em sua companhia pelo menos 500 famílias que foram auxiliadas por meio dos diversos formatos de programas online que ela oferece.

E essas famílias estão pelo mundo, com a maior parte delas sendo de braileiros, mas também de outros locais como Canadá e Reino Unido, por exemplo.

Dicas para famílias:

Marina tem um serviço de mentoria de “por onde começar”, principalmente para ensinar o “caminho das pedras” para quem tem filho com deficiência e quer ter acesso aos serviços e benefícios.
A pandemia atrapalhou seus planos, mas ela deu algumas dicas para essas famílias.

  • Não compare o sistema daqui com o do Brasil porque essa comparação só nos deixa frustrado. O ritmo aqui é outro, as crianças aqui não tem a agenda cheia de terapias como no Brasil e se estamos aqui é porque é a melhor decisão.
  • Assim que chegar na Irlanda, procure o GP mais próximo e leve todos os exames e laudos que a criança tiver
  • Brinque com seu filho em casa
  • Os terapeutas aqui enxergam os pais como parte da equipe multidisciplinar da criança, então quanto mais você ocupar esse lugar, mais você irá aprender a estimular seu filho em casa também.

Leia também: Como é a acessibilidade na Europa e em outros continentes?

Educação especial na Irlanda

Marina explica que a educação especial é gratuita na Irlanda. Segundo ela, a partir dos 2 anos e 8 meses a criança tem direito ao programa ECCE (Early Childhood Care and Education), que é o programa da pré-escola do governo. Toda criança tem direito a três horas diárias de creche e o mesmo acontece para crianças atípicas.

“Além disso, essa criança tem direito ao AIM (Access and Inclusion Model), que é um programa que assegura que as crianças com deficiência tenha acesso ao ECCE com o suporte necessário, seja esse suporte algum aparelho que o ajude na acessibilidade ou até mesmo um SNA (Special Needs Assistant)”, explicou.

Marina disse que a criança segue no sistema de educação irlandês, sempre com direito a um SNA e, dependendo do desenvolvimento dela, pode ir para uma escola especial ou permanece na escola regular com o suporte que ela precisar. Ela afirmou que existem escolas e pré-escolas específicas para crianças com autismo e a decisão de escolha é da família.

“A Educação Especial na Irlanda é incrível. Aqui a Inclusão é levada a sério. Não existe negar vaga para criança com deficiência como escutamos todos os dias no Brasil. As políticas públicas funcionam e existem excelentes programas para isso. Existem também benefícios financeiros para famílias de crianças com deficiência e essa criança receberá benefício não só na infância, mas também na vida adulta”, disse Marina.

Ela destacou ainda a acessibilidade em parques e ruas irlandeses e a abertura da sociedade para pessoas com deficiência.

Organizações que trabalham com suporte e orientação para pessoas com deficiência na Irlanda:

Rubinho Vitti

Jornalista de Piracicaba, SP, vive em Dublin desde outubro de 2017. Foi editor e repórter nas áreas de cultura e entretenimento. Também é músico, canceriano e apaixonado por arte e cultura pop.

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