A preparação para um intercâmbio nem sempre é fácil. É necessário ter muita atitude e fazer alguns sacrifícios, como economizar dinheiro e ter criatividade para criar trabalhos extras. Como muitos brasileiros que vêm à Irlanda, a história de Alexandre Rodrigues se repete nesse sentido. Com carisma e uma boa pitada de “baianidade”, ele conseguiu alcançar o seu objetivo, vendendo um dos quitutes mais tradicionais da Bahia, o abará. Além disso, trouxe consigo seu talento em cozinhar o prato para que a Irlanda também pudesse provar o saboroso bolinho de feijão.
Alexandre chegou em Dublin no final de julho de 2019, depois de sonhar muito em fazer um intercâmbio. Ele contou que estava em uma época sem muita perspectiva de futuro em Salvador, sem saber o que fazer e desempregado. “Resolvi aproveitar o momento e realizar o sonho antigo de fazer intercâmbio. Digamos que uma tentativa de ter uma outra perspectiva de mundo e de futuro, aprender outra língua, outra cultura”, disse.
Mas sem emprego, como conseguir alcançar esse objetivo? Foi nesse momento que surgiu o Abará, como uma tentativa de grana extra para completar o salário de trabalhos sem vínculos empregatícios e freelancers.
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Mas quem pensa que Alexandre trabalhava na área de gastronomia está enganado. Sua ligação com as panelas vem da família. “Tenho contato com cozinha desde muito cedo, por conta de minha avó. Sempre passei muito tempo com ela, que por sua vez sempre passou muito tempo na cozinha”, lembra Alexandre. A paixão pela gastronomia baiana também ajudou no faro e no paladar. “Brinco que preciso de doses constantes de dendê no sangue”, resaltou.
Abará é um bolinho de feijão-fradinho moído cozido em banho-maria embrulhado em folha de bananeira. Apesar da fissura pela comida típica da Bahia, o abará veio para Alexandre por outro viés, o do candomblé.
Ele explica que o prato tem origem na culinária africana e está muito associado à religião. “Ele é tradicionalmente vendido por baianas com trajes típicos em tabuleiros junto com o acarajé (irmão famoso do abará). Pode ser servido com vatapá, caruru, camarão e salada, além de pimenta”, disse.
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Além da necessidade de azeite de dendê, como brinca Alexandre, a culinária é para ele “uma forma de amenizar a saudade de casa”. Já na Irlanda, ele procura sempre apresentar o que a Bahia tem de bom na cozinha.
Foi assim que o abará surgiu como uma forma de sustento também na ilha. “Alguns começaram a insistir para que eu vendesse o Abará, mas aqui tudo é mais complicado. Dividir casa, armários, geladeira, fogão, além de toda dificuldade para encontrar os materiais necessários e trabalhar com equipamento insuficiente”, ressaltou.
“Tenho orgulho de ser baiano. A Bahia está impregnada em mim e em tudo que eu faço”
Mesmo assim ele tem buscado fazer negócio. “Tenho buscado me adaptar a situação, mas sei que preciso estabelecer mecanismos que me permitam atender aos clientes, sem faltar. Assim como todo intercambista, não tenho muito tempo livre e encontrar material aqui é difícil”, disse.
Alexandre acrescenta que o processo de preparar a base do abará é demorado. “Estou tentando estabelecer a constância e frequência que o abará será vendido para que eu não assuma uma demanda da qual não dê conta e isso macule a imagem do abará.”
Toda receita tradicional tem um segredinho que a deixa mais saborosa. Mas Alexandre esconde o seu, ou pelo menos disfarça. “O segredo de toda comida baiana é o prazer em cozinhar”, disse. Para ele, cozinhar é “liberar de tudo que não me traz sensação de prazer”.
“Cozinhar é um ato de demonstrar afeto, então busco estar com esse sentimento toda vez que cozinho. E a retribuição mais prazerosa desse trabalho é saber que o cliente está feliz e satisfeito com o produto. Não tem coisa melhor que ouvir alguém dizer que se sentiu em casa com a sua comida.”
Com a ideia da venda do abará ainda caminhando na Irlanda, não foram muitos os irlandeses que provaram a delícia. E a gente sabe que ele adoram provar uma nova iguaria. Entre as sortudas está uma professora de Alexandre. “Ela disse que o gosto era forte e diferente, mas muito saboroso. Como toda comida ‘brazuca’, tudo que fazemos está muito carregado de sabor, o que não parece comum aqui.”
Alexandre leva a sério sua “baianidade”. Para ele, trazer consigo sua tradição e sua herança brasileira é uma forma de enfrentar as dificuldades e não desistir.
“Tenho orgulho de ser baiano. A Bahia está impregnada em mim e em tudo que eu faço. Seja no abará, no modo de ver a vida, na minha fé, na discussão toda vez que alguém insinua que baiano é preguiçoso. E esse jeito baiano não me deixa desistir. Baiano está acostumado a ir à luta, a não desistir, a encarar os desafios, sem nunca perder o bom humor e o sorriso no rosto. Como brincamos em Salvador: ‘Ser baiano é outro nível’.”
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