– Isso é uma salada?
Eu disse que sim, a gerente acreditou e eles colocaram à venda. Só fui entender a pergunta dois meses depois, quando uma amiga formada em gastronomia me disse que o tempo médio de cozimento de ervilhas é de dois a quatro minutos. Eu havia cozinhado por meia hora. Por isso aquilo parecia mais uma pasta verde do que uma salada. Não sei como, mas toda aquela gororoba foi vendida.
Não é fácil cozinhar. Não é fácil elaborar um cardápio semanal. Não é fácil gerir uma cozinha. Em tese, esse trabalho não é para qualquer um. Em tese, meus amigos, eu disse “em tese”.
Cheguei em Dublin certo de que os € 3 mil seriam suficientes para pelo menos seis meses. Percebi que estava errado após a décima visita ao Temple Bar em menos de duas semanas. Então, comecei a distribuir meu currículo de jornalista. Cerca de cinquenta e-mails depois, veio a primeira e única resposta: NÃO! Era hora de procurar por outro tipo de emprego.
Obviamente, toda a experiência em redações brasileiras não sensibilizou os gerentes dos bares, restaurantes, cafés, hotéis e lojas em que estive. Acho que eles estavam atrás de um funcionário mais qualificado para as vagas disponíveis. Convencido por um amigo, elaborei cinco tipos de currículos diferentes. Todos falsos. De acordo com aqueles papeis, eu já havia trabalhado como kitchen porter, barman, vendedor, garçom e faxineiro (reparem: não havia uma menção sequer a qualquer tipo de experiência como cozinheiro).
Depois de dois meses sem nenhuma entrevista marcada – e com apenas € 40 na conta bancária – consegui a primeira oportunidade: bar staff em um festival de comida durante uma semana. Basicamente, eu passava nove horas por dia carregando caixas de bebidas e sacos de gelo. Foram os € 250 mais suados (literalmente) da minha vida.
Economizei cada centavo pelos seguintes trinta dias, quando me chamaram para ser “representante comercial” de uma empresa de vendas porta a porta. Coloquei o cargo entre aspas porque, na verdade, eu não vendia coisa nenhuma. Minha função era pedir doações para uma instituição de caridade. Nove horas e duzentas e catorze casas depois, eu me demiti. Naquele momento, tudo o que eu queria era voltar para o Brasil. Mas a passagem estava marcada para dali a dois meses. Nas minhas contas, eu precisaria de mais € 500 para sobreviver até lá.
Quarenta e cinco dias antes do embarque, consegui outro emprego de bar staff. Quatro dias por semana, das sete da noite às quatro horas da manhã. Eu era o responsável por manejar os barris de cerveja, cada um pesando cinquenta quilos. Detalhe: a balada tinha cinco andares. Resultado: virei comprador assíduo de Dorflex nos Classificados Dublin.
Cerca de duas semanas antes de voltar para casa, um amigo que trabalhava como kitchen porter pediu demissão e me indicou para o seu lugar. O trabalho parecia ser relativamente tranquilo perto de tudo aquilo que eu já havia feito na Irlanda: lavar pratos, xícaras, talheres e panelas, e limpar a cozinha no fim do dia. O dinheiro veio em boa hora e me ajudou na decisão de ficar mais seis meses em Dublin (reparem – parte 2: até aqui eu ainda não havia encostado a mão em nenhum objeto que se assemelhasse à uma panela).
Um mês depois, senti a primeira sensação de arrependimento. O chef era o ser-humano mais desprezível que eu já havia conhecido em toda a minha vida. O trabalho, obviamente, não era tão fácil quanto parecia e eu já estava prestes a mandar o moço tomar naquele lugar. Em vez disso, comecei a reparar em tudo o que ele fazia. O motivo? Queria impressionar a polonesa com quem eu estava saindo. De rabo de olho, aprendi a fazer uma sopa de cenoura com pimentão vermelho. Ela amou. E me zoa até hoje dizendo que só continuou saindo comigo para comer mais vezes de graça.
Mais trinta dias se passaram. Trinta dias engolindo sapo a cada ofensa expelida pela imunda boca do chef. Mais trinta dias observando cada detalhe daquela cozinha.
– Você quer sopa de batata doce com leite de coco ou de beterraba com vegetais?
A polonesa pirou no conhecimento gastronômico do rapaz aqui.
Foi então que bateu o desespero. Cheguei para trabalhar e…
– Cadê o chef?
Eis que a gerente me fala:
– Demitimos. Você quer assumir a cozinha?
A minha boca foi mais rápida do que meu cérebro:
– Sim, claro!
Quando pensei no tamanho da responsabilidade, já era tarde demais. Uma semana depois, fiz a pasta verde que deveria ser uma salada de ervilha.
Motivado pela possibilidade de nunca mais precisar lavar louça, carregar barril de cerveja ou pedir doação de porta em porta, decidi me empenhar naquela nova profissão. Passei a assistir vídeos no youtube sobre técnicas de faca, ver episódios da Ana Maria Braga, ler receitas na internet e conversar com amigos que estudaram gastronomia no Brasil. Deu certo! Ensinei tudo o que aprendi ao kitchen porter que me substituiu. Ele ficará no meu lugar assim que eu voltar ao Brasil.
Muita gente formada na área, inclusive amigos, já me disse que eu não sou um chef de verdade. Estão certos. Costumo dizer que não passo de um “fazedor de lanches, saladas e sopas”. Por enquanto! Confesso que sinto-me tentado a mudar de profissão e trocar os gravadores e os bloquinhos de papel pelas facas e panelas. Não sei o porquê, mas a polonesa gosta da ideia.
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