Crise econômica, falta de emprego, decepções na carreira, sensação se insegurança, dívidas, sonho de viver no exterior… esses podem ser alguns dos motivos de um brasileiro querer deixar o país a todo custo. Porém, nem todos conseguem essa façanha.
Relatórios recentes da Agência de Fronteiras e Guarda Costeira da União Europeia, a Frontex, mostram que os brasileiros estão entre as dez nacionalidades que mais são barradas na entrada de países da União Europeia. Só no primeiro trimestre de 2018, o número foi superior a 50% em relação a 2017. Mas quais seriam os reais motivos para isso?
O relatório recente da Frontex, o FRAN Q2, que mostra informações até junho de 2018, apresenta que, apenas no primeiro semestre de 2018, as fronteiras da UE recusaram 2.225 brasileiros de entrar no continente. Em 2017, o número foi de 1.538.
Isso torna o Brasil o nono em nacionalidades mais impedidas pela União Europeia. Se comparar o segundo trimestre do ano, entre 2017 e 2018, o aumento é de 50%. No total, foram 93 mil barrados nos aeroportos na tentativa de entrar em países da UE em 2018.
O relatório também mostra que, apesar de estar na lista das dez nacionalidades barradas, o Brasil consta apenas na tentativa de entrada via ar, ou seja, por aeroportos, estando fora da entrada por terra ou mar.
No relatório Análise de Risco para 2018, a Frontex também divulgou que os brasileiros estão na lista das dez nacionalidades mais recusadas na Europa desde 2014. Até então, o Brasil estava na décima posição, atrás da Ucrânia, Rússia, Albânia, Sérvia, Bielorrússia, Moldávia, Turquia, Marrocos e Bósnia. Porém, representava menos de 2% do total de barrados.
• 2014: 2.315
• 2015: 2.652
• 2016: 3.701
• 2017: 3.143
A Frontex lista nove itens que motivaram a recusa de entrada na Europa em 2017. A maioria dos estrangeiros barrados, cerca de 57 mil pessoas, foram barrados por não terem visto ou autorização de residência válidos. Entre os brasileiros, a principal razão, para 1.196 pessoas, é não possuir documentação apropriada que justifique a finalidade e as condições de permanência no continente.
• 1.196 – não possui documentação apropriada que justifique a finalidade e as condições de permanência;
• 754 – não informado;
• 625 – não tem visto ou autorização de residência válidos;
• 275 – foram encontradas informações no SIS que não permitiram a entrada;
• 169 – não possui meios de subsistência suficientes em relação ao período e forma de permanência ou os meios para retornar ao país de origem ou trânsito;
• 107 – já permaneceu durante três meses durante um período de seis meses no território dos Estados-Membros da União Europeia;
• 31 – Considerado uma ameaça para a ordem pública, a segurança interna, a saúde pública ou as relações internacionais de um ou mais Estados-Membros da União Europeia;
• 16 – não possui documento (s) de viagem válido (s);
• 12 – tem um documento de viagem falso, falsificado ou forjado;
• zero – tem um visto falso, falsificado ou forjado para autorização de residência.
Os relatórios recentes, de 2018, também mostram que os principais motivos de barrar os brasileiros continuam os mesmos, nas mesmas proporções.
A decisão do novo chanceler Ernesto Araújo, do novo governo eleito, de tirar o Brasil do Pacto Global de Migração, pode afetar os brasileiros que vivem no exterior. De acordo com especialistas ouvidos pela revista Exame, pessoas de nacionalidades de países que deixam o acordo acabam tendo mais dificuldades no exterior, já que os países que estão no acordo podem dificultar o visto e permanência daqueles que estão fora.
Cerca de 160 nações que assinaram o acordo em Marraquexe em dezembro, inclusive o Brasil, mas, segundo o chanceler, a assinatura vai valer até sua posse, em janeiro. Trump não assinou e deixou os Estados Unidos de fora do pacto.
Uma pesquisa do Datafolha de junho deste ano mostrou que, se pudessem, 62% dos jovens sairiam do Brasil. Segundo a Receita Federal, a saída definitiva de brasileiros do Brasil subiu 165% em comparação com o período entre 2011 e 2017. No ano passado, foram 21,7 mil pessoas que deixaram definitivamente sua terra natal. No total, estima-se que são 3 milhões de brasileiros vivendo em outras nações.
O número de brasileiros no exterior, porém, pode ser muito maior. Isso porque também existem os intercambistas e aqueles que estão vivendo de forma ilegal em outros países.
A Frontex mostra que o número de brasileiros que estavam irregulares na União Europeia e foram deportados também cresceu. Entre os seis primeiros meses de 2017, o instituto calculou 788 brasileiros deportados por não terem visto em países da UE. No mesmo período de 2018, foram 975.
Uma brasileira que vive em Dublin ilegalmente relatou ao E-Dublin sobre sua experiência. “Me sinto um lixo, porque vai contra o que eu penso na minha vida, mas foi uma escolha que eu fiz”, disse ela, que só está ilegal porque espera sair o resultado de sua cidadania europeia em breve. “Eu não ficaria ilegal se não tivesse uma solução rápida. Ou era a renovação ou era o passaporte. Optei por esperar desta maneira”, afirmou.
Mesmo ilegal, ela afirma que prefere ficar assim na Europa do que voltar para o Brasil. “Não tem nada que me prenda lá, nada que me faça ficar lá. Já voltei antes para visitar e vi que já não era mais o meu lugar. Hoje em dia, o que mais me motiva a não voltar são as questões políticas. Nem para visitar eu tenho vontade no momento. Estou decepcionada com o nosso país”, disse.
Um brasileiro que foi deportado da Europa deu seu depoimento como anônimo ao site E-Dublin.
O caso ocorreu no ano passado. Ele já estava mais de um mês ilegal na Irlanda quando recebeu uma proposta para trabalhar em Portugal. Foi aí que sua saga começou. “A empresa prometeu que eu teria o visto de trabalho, mas teria que entrar como turista”, disse.
Na imigração na cidade de Faro, a polícia federal portuguesa acabou desconfiando. Ele foi levado para uma sala e começou um interrogatório. “Parecia que eu estava escondendo alguma coisa mais grave. Perguntavam a todo momento se eu estava esperando droga”, disse.
Quando descobriram que ele realmente estava lá para trabalho, mas não tinha o visto, disseram que teria a entrada negada. “Eles confiscaram todas as minhas coisas, celular, dinheiro, tudo de valor, e me deixaram em um abrigo, dizendo que não era uma cadeia”, afirmou, dizendo, porém, que o tratamento era muito rígido. “Eu só tinha noção do tempo se era de dia ou de noite e porque forneciam café, almoço e janta.”
Ele ficou três dias nesse alojamento. “Eu pude fazer uma ligação, liguei para um amigo para dizer o que tava acontecendo e pedi que ele informasse meu irmão”. Apenas na noite do segundo dia eles deram informação, dizendo que sairia às 13h do dia seguinte. “A embaixada brasileira só ficou sabendo do meu caso porque meus amigos entraram em contato.”
Sua deportação seria para a cidade de onde veio, ou seja, Dublin. “Fui levado ao aeroporto junto com um policial. Eles estavam com meus documentos, fizeram meu check-in, despacharam minha mala, me levaram para dentro da aeronave e entregaram todos os meus documentos para a comissária. Foi superconstrangedor, parecia que eu era um criminoso.”
Em Dublin, ele relata que o tratamento foi outro. “Fui superbem recebido. Eu estava nervoso, comecei a chorar e eles me acalmaram. Conseguiram me liberar mediante a compra de uma passagem de volta para o Brasil, que seria em três dias, e deixaram eu sair do aeroporto para ir na casa de algum amigo até a data do meu voo.”
De volta para o Brasil, ele não conseguiu se adaptar, mas o trauma da deportação não o fez desistir. Conseguiu uma vaga de emprego em um cruzeiro, como vendedor, e começou em novembro uma travessia pela Europa até o Brasil.
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