Política

Domingo Sangrento: episódio sombrio na Irlanda do Norte completa 52 anos

Você, provavelmente, já ouviu os versos “Sunday Bloody Sunday” cantados por Bono em gravações da banda U2. Pois é, a letra da música conta um episódio real e marcante na história da Irlanda e Irlanda do Norte: o Domingo Sangrento (“Bloody Sunday” ou, em gaélico, “Domhnach na Fola”).

Na verdade, a canção remete aos acontecimentos de 30 de janeiro de 1972, quando membros do Exército Britânico abriram fogo contra um grupo não armado de civis que protestavam na cidade de Derry, na Irlanda do Norte. Quatorze pessoas foram mortas, incluindo sete adolescentes.

Mas o termo “Bloody Sunday” também remete a um outro fato que houve na ilha da Irlanda, mais especificamente em Dublin, em 1920, durante a Guerra Irlandesa para Independência, que matou cerca de 30 pessoas no conhecido estádio Croke Park.

Ambos os episódios chamados de Domingo Sangrento foram traumatizantes, tanto para a Irlanda como para a Irlanda do Norte. Já a música do U2, lançada em 1983 no álbum War, é um sucesso até hoje e transformou uma tragédia em hino da música pop mundial.

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Domingo Sangrento: o contexto

Para falar sobre os acontecimentos do Domingo Sangrento em 1972, é preciso entender o contexto daquela época. Como já explicamos neste artigo, existia uma forte disputa na Irlanda do Norte entre dois grupos formados por católicos e protestantes que, muito além da religião, têm ideologias diferentes.

Os sindicalistas (unionistas, de maioria protestante) são aqueles que defendem a permanência da Irlanda do Norte no Reino Unido e os nacionalistas (republicanos, de maioria católica) reivindicam que o país deixe de pertencer ao Reino Unido e que as duas Irlandas se unam, formando uma ilha de um só país.

Dentro desse contexto, precisamos lembrar que a República da Irlanda se tornou independente em 1937, uma data relativamente recente, além de que, desde 6 de dezembro de 1921, ela já era um estado livre, mas ainda sob domínio britânico.

Desde a independência da Irlanda, embates (com o exército britânico) entre sindicalistas e nacionalistas vinham acontecendo frequentemente e de forma violenta. Essa época ficou conhecida como The Troubles.

Exército Britânico vs IRA, o exército republicano

Por volta de 1969, o Exército Britânico havia entrado na Irlanda do Norte para conter a violência entre os grupos rivais e combater ataques do IRA (Irish Republican Army), o grupo armado republicano.

O IRA mirava justamente no mesmo objetivo dos republicanos, porém valendo-se da violência para impor o estabelecimento de uma república na Irlanda do Norte e, por fim, no domínio britânico no país, reunificando a Irlanda.

Em agosto de 1971, a Grã-Bretanha instituiu um novo sistema no tribunal de crimes na Irlanda do Norte, voltado a punir ataques terroristas.

O sistema também proibia qualquer tipo de manifestação e o Exército recebeu “carta branca” para agir contra protestos. Quem praticasse atos de terrorismo seria julgado sem júri — e a condenação era certeira.

Todo esse histórico levou aos eventos de 30 de janeiro, o Domingo Sangrento de 1972, que foi responsável por fazer com que essa guerra parasse nas capas de jornais de todo o mundo.

A partir daí, tornou-se público e notório o problema que ocorria na ilha da Irlanda.

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O que foi o Domingo Sangrento de 1972?

O Domingo Sangrento de 1972 foi marcado por ter sido um dos episódios mais conhecidos da violência na Irlanda do Norte.

Em Derry (também conhecida como Londonderry pelos nacionalistas), que, até hoje, é cenário principal de manifestações políticas na Irlanda do Norte, 13 manifestantes desarmados foram mortos a tiros pelo Exército Britânico e uma outra vítima morreu meses depois por consequência dos ferimentos.

O ato ocorreu em 30 de janeiro de 1972, organizado pelo Northern Ireland Civil Rights Association, associação dos direitos civis da Irlanda do Norte. O motivo da manifestação pacífica, que levou cerca de 10 mil às ruas da cidade, em sua maioria jovens católicos republicanos, era justamente o novo sistema tribunal do país sobre o qual comentamos acima.

Mesmo com a proibição de manifestações, naquele 30 de janeiro, os manifestantes tiveram a ideia de protestar pacificamente, marchando a partir das 15h, de um bairro católico chamado Creggan até a Câmara Municipal da cidade.

No meio do caminho, por volta das 16h, o grupo foi surpreendido por uma barricada do exército britânico que havia chegado ao local para impedir a marcha por ordem das autoridades britânicas. Os soldados, inicialmente, tentaram prender alguns dos manifestantes, mas houve resistência.

Os soldados atiraram indiscriminadamente contra a multidão de manifestantes. Além dos mortos, 26 civis ficaram feridos.

Sete dos mortos eram menores de idade e muitas das vítimas foram alvejadas pelas costas, provando a crueldade e covardia da ação do exército britânico.

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Consequências do Domingo Sangrento de 1972

As mortes chamaram a atenção mundial para a crise na Irlanda do Norte e geraram protestos em toda a Irlanda. Em Dublin, cidadãos irlandeses incendiaram a embaixada britânica em 2 de fevereiro.

Na Irlanda do Norte, a revolta da população cresceu e a presença militar acabou fortalecida.

De acordo com reportagem da BBC, no dia seguinte ao Domingo Sangrento, o governo britânico abriu um inquérito, mas o Tribunal de Widgery isentou os soldados e as autoridades britânicas de qualquer culpa.

As famílias das vítimas passaram anos fazendo campanha por um novo inquérito público. Anos se passaram sem que nada fosse feito.

Apenas em 1998, o primeiro-ministro Tony Blair anunciou que um novo inquérito seria realizado. O relatório saiu em 2010, concluindo que nenhuma das vítimas representava uma ameaça ou fazia qualquer coisa que justificasse os disparos. Além disso, não houve um alerta dado aos civis antes que os soldados abrissem fogo, entre outras conclusões.

O primeiro-ministro da época, David Cameron, disse que as mortes foram “injustificadas e injustificáveis”.

Bono relembrou canção em artigo para o New York Times

Em 2021, o vocalista da banda U2, Bono Vox, celebrou o relatório final do governo britânico, que inocentou as vítimas do Domingo Sangrento. O compositor de Sunday Bloody Sunday disse que o relatório levou a “um dia brilhante em nossa pequena rocha no Atlântico Norte”, falando sobre a ilha da Irlanda.

“Trinta e oito anos (em 2010) não desapareceram em um discurso de 11 minutos — como poderiam, por mais eloquentes ou sinceras que fossem as palavras? Mas eles mudaram e se transformaram, assim como David Cameron, que de repente parecia o líder que acreditava que seria. De primeiro-ministro a estadista”, celebrou Bono em artigo para o New York Times, em 2010.

Sobre a música Sunday Bloody Sunday, ele disse que uma gravadora chegou a dizer que a música nunca tocaria nas rádios. Bom, como podemos ver, a canção que diz “I can’t believe the news today/ I can’t close my eyes and make it go away” (“Não consigo acreditar nas notícias de hoje / Não consigo fechar os olhos e fazer com que elas desapareçam”) está aí, presente na história da Irlanda e reconhecida no mundo todo, com um refrão que ainda arrepia e emociona.

U2 não foi o único grupo musical a fazer uma canção sobre os acontecimentos do Domingo Sangrento de 1972. Paul McCartney (com a banda Wings) lançou Give Ireland back to the Irish. Já John Lennon e Yoko Ono lançaram uma música homônima ao do U2, Sunday Bloody Sunday.

Filme para entender melhor o Domingo Sangrento de 1972

Existem algumas obras audiovisuais que podem ajudar no entendimento dos acontecimentos do Domingo Sangrento de 1972. Entre as mais conhecidas e recentes está o filme Bloody Sunday, lançado em 2002, quando o caso completou 30 anos. A direção é de Paul Greengrass, que recentemente dirigiu News of the World, com Tom Hanks. O filme está disponível na Amazon Prime.

Também há vários minidocumentários disponíveis no YouTube, com destaque para o BBC Northern Ireland Bloody Friday Documentary, que você pode ver clicando aqui.

Domingo Sangrento de 1920: os fatos

Outro evento histórico também é conhecido como Bloody Sunday (Domingo Sangrento), mas aconteceu 52 anos antes da tragédia na Irlanda do Norte, durante a guerra pela independência da Irlanda.

Em 21 de novembro de 1920, o Exército Britânico abriu fogo contra o público que assistia a uma partida de futebol gaélico no Croke Park, em Dublin, matando 14 civis. Muitos foram mortos na hora e outros morreram em decorrência dos ferimentos. Mais de 60 ficaram feridos.

Tudo começou quando, naquele mesmo dia, o IRA havia planejado acabar com um grupo secreto britânico chamado Cairo Gang, formado por agentes infiltrados que viviam em Dublin. De porta em porta, o exército republicano irlandês assassinou 15 homens.

Em resposta aos ataques, forças armadas britânicas foram enviadas para o Croke Park, onde havia uma partida de futebol gaélico entre os times de Dublin e Tipperary. Entre elas, estavam soldados do grupo chamado Black and Tans, que tinha o objetivo de manter a autoridade britânica na Irlanda.

As ordens no Croke Park era cercar o estádio, vigiar as saídas e revistar todos os homens em busca dos responsáveis pelos assassinatos do IRA. A intenção era que fosse anunciada a ação em um megafone, mas, às 15h25 daquele 21 de novembro de 1920, disparos foram feitos contra o público. Entre os mortos, estavam três crianças.

A guerra entre o IRA e o Exército Britânico acabou apenas em julho de 1921, depois de muito sangue ter sido derramado pelas ruas de Dublin e pouco antes da Irlanda se tornar um estado independente.

Em celebração ao centenário do Domingo Sangrento de 1920, a RTÉ lançou um documentário que explica os fatos e coloca luz ao assunto, 100 anos depois.

Foto de capa: Getty Images

Rubinho Vitti

Jornalista de Piracicaba, SP, vive em Dublin desde outubro de 2017. Foi editor e repórter nas áreas de cultura e entretenimento. Também é músico, canceriano e apaixonado por arte e cultura pop.

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