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E se o Brasil tivesse sido descoberto pela Irlanda?

 

O Brasil descoberto pela Irlanda. Já pensou? Foto: Shutterstock

Do alto de seu rickshaw flutuante, o homenzarrão de barba ruiva, sardas no rosto e olhos claros deu um berro ao avistar um pedaço de terra à sua frente.

– Talamh i radharc!!!

Peter Arthuralvares Cabralguinness atracou na Bahia em 22 de abril de 1500. Foi recepcionado na praia por dezenas de índios que ainda tentavam entender o que estava se passando. Com intuito de ganhar a confiança dos habitantes daquela terra, o europeu presenteou-os com imãs de geladeira da Carrolls, copos de pints da Guinness roubados do Temple Bar e camisetas de € 2,50 da Penneys. Foi um sucesso. Em dez minutos, já havia se tornado amigo de todos e até acabou convidado para uma roda de samba com feijoada na oca do pajé da tribo.

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A receptividade impressionou os visitantes. Em menos de um mês, alguns marujos já haviam fundado escolas de idiomas na região. Os nativos estavam doidos para aprender a falar aquela nova linguagem. Algumas moças até se envolveram com os novos habitantes. Em um ano, nasciam os primeiros índios de olhos azuis.

Durante dois séculos e meio, a metrópole europeia explorou o quanto pode a sua nova colônia dos trópicos. Peixes eram exportados para produção de fish and chips. Toneladas de cevada foram transportadas para a fabricação de cervejas. Sacas de café made in Brazil tornaram-se matéria-prima do irish coffee. Frutas como uvas e melancias atravessavam o oceano para serem comercializadas na Moore Street. Até mesmo jovens de vinte e poucos anos eram enviados para a Irlanda para trabalharem como cleaner, kitchen porter, barista, arrumadeira e babá. É o que os historiadores chamam de colonialismo de exploração.

No início do século XIX, um irlandês apaixonou-se por uma garota dos trópicos que conhecera em um lugar chamado Dicey’s. A menina decidiu voltar para casa e ele foi junto. Certa noite de setembro, completamente bêbado, ele declarou a independência da colônia. Era brincadeira. Igualmente bêbados, os governantes da Irlanda acreditaram. Nascia um país autônomo.

Obviamente, a influência do colonizador permaneceu e é vista até hoje na sociedade brasileira. A começar pela cultura. Tem aquela música escrita por Tom e Vinícius: a “Garota do Rio Liffey”. Tom também fez uma em homenagem ao clima dublinense: “Águas de Março”. Mais recentemente, um grupo da Bahia lançou o sucesso “Segura o LepraTchan”. Raul Seixas eternizou o trevo de três folhas com o clássico “Shamrock das Aranhas”. Na música sertaneja, o clássico de Bruno e Marrone descreve a situação do estudante implorando por visto: “Oh GARDA, eu não sou vagabundo, eu não sou delinquente”. Ultimamente, as paradas de sucesso têm sido dominadas pela dupla Naná di Camargo e Landlord.

Na área dos esportes, o Brasil tornou-se o país do futebol gaélico graças aos seus descobridores. Ídolos surgiram em terras tropicais, como RoMarley, RiveLidl, DaDicey’s Maravilha e RonalDingle Gaúcho. No automobilismo, Ayrton Centra encheu a nação de orgulho, assim como ParNelson Piquet. Na televisão, a principal emissora do país passou a produzir novelas sobre a imigração irlandesa durante os últimos séculos, como “O Bray Amado”, “Roque SanTesco” e “O Rei do Grafton”.

O século XXI chegou e trouxe com ele novos desafios para a ex-colônia irish na América do Sul. O principal deles: aprender uma segunda língua. Dados do governo de Portugal mostram um aumento considerável de brasileiros nas escolas de português de Porto e Lisboa. O problema, segundo os professores, é que os alunos não se misturam com os moradores e acabam não praticando o idioma local.

Confesso, sou um desses. Não vejo a hora de voltar para casa. Passo todos os dias sonhando com o calor da praia de Copacabana. Estarei lá, debaixo do guarda-sol, vestido com minha calça e blusa de moletom cinzas, e meu par de tênis branco, bebendo uma pint de Guinness e beliscando uma porçãozinha de batata frita com purê de batata, batata assada e batata cozida. No iPod, claro, Molly Malone no último volume. Ah, que saudade do meu Brasil!

Leandro Mota

Jornalista desde 2005. Trabalhou por oito anos na Rádio CBN. Fanático por futebol, cobriu duas Olimpíadas (2008 e 2012), uma Copa do Mundo (2010) e outros eventos esportivos. Em 2009, ganhou o Prêmio Jornalístico Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos por uma série de reportagens sobre preconceito e xenofobia na Europa. Certo dia, bebeu demais e acordou em Dublin. Ainda não descobriu como voltar para o Brasil.

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