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E se o Brasil tivesse sido descoberto pela Irlanda?

Do alto de seu rickshaw flutuante, o homenzarrão de barba ruiva, sardas no rosto e olhos claros deu um berro ao avistar um pedaço de terra à sua frente.

– Talamh i radharc!!!

E se o Brasil tivesse sido descoberto pela Irlanda? Foto: Konstantin Shaklein | Dreamstime

Peter Arthuralvares Cabralguinness atracou na Bahia em 22 de abril de 1500. Foi recepcionado na praia por dezenas de índios que ainda tentavam entender o que estava se passando. Com intuito de ganhar a confiança dos habitantes daquela terra, o europeu presenteou-os com imãs de geladeira da Carrolls, copos de pints da Guinness roubados do Temple Bar e camisetas de € 2,50 da Penneys. Foi um sucesso. Em dez minutos, já havia se tornado amigo de todos e até acabou convidado para uma roda de samba com feijoada na oca do pajé da tribo.

A receptividade impressionou os visitantes. Em menos de um mês, alguns marujos já haviam fundado escolas de idiomas na região. Os nativos estavam doidos para aprender a falar aquela nova linguagem. Algumas moças até se envolveram com os novos habitantes. Em um ano, nasciam os primeiros índios de olhos azuis.

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Durante dois séculos e meio, a metrópole europeia explorou o quanto pode a sua nova colônia dos trópicos. Peixes eram exportados para produção de fish and chips. Toneladas de cevada foram transportadas para a fabricação de cervejas. Sacas de café made in Brazil tornaram-se matéria-prima do irish coffee. Frutas como uvas e melancias atravessavam o oceano para serem comercializadas na Moore Street. Até mesmo jovens de vinte e poucos anos eram enviados para a Irlanda para trabalharem como cleaner, kitchen porter, barista, arrumadeira e babá. É o que os historiadores chamam de colonialismo de exploração.

No início do século XIX, um irlandês apaixonou-se por uma garota dos trópicos que conhecera em um lugar chamado Dicey’s. A menina decidiu voltar para casa e ele foi junto. Certa noite de setembro, completamente bêbado, ele declarou a independência da colônia. Era brincadeira. Igualmente bêbados, os governantes da Irlanda acreditaram. Nascia um país autônomo.

Obviamente, a influência do colonizador permaneceu e é vista até hoje na sociedade brasileira. A começar pela cultura. Tem aquela música escrita por Tom e Vinícius: a “Garota do Rio Liffey”. Tom também fez uma em homenagem ao clima dublinense: “Águas de Março”. Mais recentemente, um grupo da Bahia lançou o sucesso “Segura o LepraTchan”. Raul Seixas eternizou o trevo de três folhas com o clássico “Shamrock das Aranhas”. Na música sertaneja, o clássico de Bruno e Marrone descreve a situação do estudante implorando por visto: “Oh GARDA, eu não sou vagabundo, eu não sou delinquente”. Ultimamente, as paradas de sucesso têm sido dominadas pela dupla Naná di Camargo e Landlord.

Na área dos esportes, o Brasil tornou-se o país do futebol gaélico graças aos seus descobridores. Ídolos surgiram em terras tropicais, como RoMarley, RiveLidl, DaDicey’s Maravilha e RonalDingle Gaúcho. No automobilismo, Ayrton Centra encheu a nação de orgulho, assim como ParNelson Piquet. Na televisão, a principal emissora do país passou a produzir novelas sobre a imigração irlandesa durante os últimos séculos, como “O Bray Amado”, “Roque SanTesco” e “O Rei do Grafton”.

O século XXI chegou e trouxe com ele novos desafios para a ex-colônia irish na América do Sul. O principal deles: aprender uma segunda língua. Dados do governo de Portugal mostram um aumento considerável de brasileiros nas escolas de português de Porto e Lisboa. O problema, segundo os professores, é que os alunos não se misturam com os moradores e acabam não praticando o idioma local.

Confesso, sou um desses. Não vejo a hora de voltar para casa. Passo todos os dias sonhando com o calor da praia de Copacabana. Estarei lá, debaixo do guarda-sol, vestido com minha calça e blusa de moletom cinzas, e meu par de tênis branco, bebendo uma pint de Guinness e beliscando uma porçãozinha de batata frita com purê de batata, batata assada e batata cozida. No iPod, claro, Molly Malone no último volume. Ah, que saudade do meu Brasil!

Imagens via Dreamstime
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Leandro Mota

Jornalista desde 2005. Trabalhou por oito anos na Rádio CBN. Fanático por futebol, cobriu duas Olimpíadas (2008 e 2012), uma Copa do Mundo (2010) e outros eventos esportivos. Em 2009, ganhou o Prêmio Jornalístico Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos por uma série de reportagens sobre preconceito e xenofobia na Europa. Certo dia, bebeu demais e acordou em Dublin. Ainda não descobriu como voltar para o Brasil.

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