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Entrevista: Emicida fala sobre show que fará em Dublin

Emicida é um dos rappers de maior destaque no Brasil, nos últimos anos. Dono de uma poesia crua e dura, que trata sobre racismo, política e desigualdades, ele perambula pelas batidas do hip hop, mas também por outros ritmos da música brasileira, levando uma mistura heterogênea na composição de sua carreira. É com essa pegada que ele sai do Brasil para uma eurotour, que passará por Dublin, no dia 22, às 19h30, no Button Factory.

O artista falou com exclusividade para o E-Dublin sobre sua nova canção, AmarElo (parceira com Majur e Pabllo Vittar), além de preconceito, xenofobia, política brasileira e outros assuntos. O E-Dublin sorteará ingressos para o show. Fique de olho no nosso perfil no Instagram.

E-Dublin: Você acabou de lançar a canção AmarElo em um clipe que retrata a depressão do jovem, essencialmente negro e da periferia. Como foi essa parceria com Pabllo Vittar e Majur (além de Belchior, in memoriam) para fazer esse retrato? O que buscou na composição da música e do clipe?

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Emicida: AmarElo abre com um depoimento forte, onde a tristeza e a ausência de perspectiva são mais fortes que qualquer discurso motivacional. Tudo isso porque existem momentos em que, simplesmente, você precisa reconhecer que está difícil. Iniciar o vídeo com isso é minha forma de horizontalizar as coisas num tempo onde todos parecem competir cegamente nas suas redes sociais, uns adoecendo aos outros.

Mas a canção não é só isso. Ela é, na verdade, sobre força, sobre vida. Por isso, a dor é um importante abre-alas, partimos dela e subimos todos juntos ao pódio. Majur e Pabllo são dois seres humanos incríveis com os quais tive a honra de dividir essa música. No final, é isso: sobre humanidade, todos conectados pelas mesmas emoções!

E-Dublin: Em outro clipe, da canção Eminência Parda, o vídeo mostra uma família de negros que vai a um restaurante para comemorar a conquista da filha Vitória, formada na faculdade e com emprego certo no intercâmbio. Em Dublin, onde centenas fazem intercâmbio, é raro encontrar negros brasileiros nas salas de aula de inglês. Essa realidade é um reflexo no exterior do que é a inserção do negro na educação no Brasil? 

Emicida: Gosto desse lugar provocativo no vídeo. Onde estão essas pessoas negras que ascendem? Porque elas existem. Aí, pego minha experiência pessoal e encontro uma das respostas possíveis: embora eu vá aonde queira ir, existem lugares que eu evito, pois estou sem paciência para ser tratado como uma atração circense, saca? Todos os olhos em você dentro de um ambiente em que, no imaginário de quem historicamente ocupa aquilo, não lhe pertence. Então, esse conflito entre história e memória, fato e imaginação é bastante interessante de ser reproduzido, pois ele é fiel a como se dão as relações entre etnias no Brasil.

Ninguém se assume racista, gabando-se de ter amigos negros, etc., etc., etc., mas muitos desses “amigos” brancos não se questionam sobre por que seus “amigos” negros desaparecem de certos espaços. O racismo é uma estrutura que só vai cair se for implodida, e isso significa que essa problemática é branca e precisa ser confrontada pelas pessoas brancas.

“Estamos em um momento no qual o governo é declaradamente inimigo da educação, da cultura e do meio ambiente.”

Nos orgulhamos da nossa miscigenação quando vamos ao ensaio de nossas escolas de samba. Por que não nos ofende que essa miscigenação não esteja representada fielmente na turma de formandos de Medicina, Direito e Engenharia das mais respeitadas universidades do Brasil?

Nesse sentido sua observação é muito perspicaz sobre quantos negros têm a oportunidade de tentar a vida em outros lugares. Estamos em um momento no qual o governo é declaradamente inimigo da educação, da cultura e do meio ambiente. Quem são os que mais sofrem nesse contexto? Os que menos têm chance de se afastar disso. E dada a origem da nossa pirâmide social lá na escravidão, essas pessoas com mobilidade econômica restrita são majoritariamente não-brancos. Esses são fatos, o que resta é a pergunta às pessoas brancas: quando estar em um lugar onde pessoas negras no máximo carregam bandejas foi ofensivo para você?

E-Dublin: Os brasileiros que chegam à Europa podem sentir na pele outro problema, o da xenofobia. Em uma matéria recente, o E-Dublin mostrou que 60% dos estrangeiros vivendo na Irlanda já foram vítimas ou testemunhas de atos racistas na ilha. Você já foi vítima de xenofobia e racismo na Europa? O que diria para quem passou por isso na Irlanda?

Emicida está em turnê pela Europa, passando por Espanha, Alemanha e também a Irlanda. Foto: Victor Balde

Emicida: Eu já devo ter sido, mas nada que se compare ao que vivemos no Brasil. Um policial nunca me jogou no chão e colocou uma arma na minha cabeça, chamando a mim e meus amigos de animais na Europa. No país que, em tese, é meu, já. Obviamente, isso é muito triste, porque queremos ser entendidos, amados e respeitados como indivíduos, e não julgados como um grupo.

Isso talvez choque muito as pessoas brancas do Brasil, porque lá elas têm pouco costume de ser racializadas de forma agressiva. Quando acontece, é um baque que tira o chão. Por isso, bato na tecla de que devemos falar mais disso. Você precisa se ofender quando árabes são alvo de xenofobia, quando indianos e africanos também o são, você precisa lá no Brasil ser de fato antirracista também.

“O maior ativo positivo do Brasil no mundo é a cultura. Somos herdeiros de alguns dos maiores do planeta.”

Se formos exemplo de como as coisas devem ser lá na nossa casa, teremos moral para apontar como elas podem ser em outros lugares. Mas infelizmente não somos. Essa lição de casa a sociedade do Brasil não fez e não demonstra vontade de fazer. Não há uma região do Brasil que não tenha apelidos depreciativos para nordestinos, com exceção do nordeste, obviamente. Isso é xenofobia. É uma resposta complexa, poderíamos falar horas apenas sobre isso, mas nossas mães nos dizem desde pequeno que é assim que é a vida, respira fundo, junta seus pedaços e volta pro ringue.

E-Dublin: Geralmente, os shows de artistas brasileiros na Irlanda levam um certo alívio e conforto a brasileiros imigrantes que sentem saudades de casa. Você pensa nisso quando constrói uma apresentação no exterior? O que mais pesa na montagem de um show fora do Brasil?

Emicida: Com certeza, se, de alguma maneira, posso fazer com que um curto espaço de tempo seja um oásis na vida dos meus irmãos tupiniquins que saíram pelo mundo pra correr atrás de seus sonhos, eu farei isso. É o que eu gostaria que fizessem por mim hahahaha.

E-Dublin: O tom político das suas músicas também traz a indignação à tona, já que muitos dos brasileiros que vivem no exterior assistem de longe, perplexos, o que está ocorrendo no Brasil. Como a música pode ajudar a enfrentar a crueldade da política brasileira?

Emicida: Fela Kuti dizia que a música é uma arma. Se você for ver, acabamos de samplear Belchior, que também sentia isso. Você percebe pela grandeza das suas poesias como ele acreditava que a música poderia ser uma arma também. Esses caras fizeram música de vida como um presente para a eternidade, representaram maravilhosamente bem o seu tempo. Essa é minha meta: fazer música de vida que dure pra sempre. As pessoas vão ouvir isso e refletir sobre o tempo em que passei por aqui, e isso me encanta. Não acho que esses caras pensaram estar fazendo música de protesto, em ser politicamente corretos ou agradar alguma bolha. Eles tinham a música como uma arma e a usaram. Eu também tenho e vou usando, enquanto Oxalá permitir.

E-Dublin: Sua turnê europeia vai passar por Portugal, Espanha, Alemanha e Reino Unido. Qual a importância de um rapper brasileiro ter essa abertura na Europa, em países que também não falam a língua portuguesa?

Emicida: O maior ativo positivo do Brasil no mundo é a cultura. Somos herdeiros de alguns dos maiores do planeta. Quando chegamos aqui, as pessoas nos cercam para saber o que saiu do ventre de João Gilberto, Cartola, Elis Regina e Clementina de Jesus. O que saiu somos nós. É uma alegria imensa e também uma responsabilidade maior ainda.

SERVIÇO:
Show com Emicida
Segunda-feira, 22 de julho, às 19h30
Local: Button Factory
Ingressos: 35 euros

Rubinho Vitti

Jornalista de Piracicaba, SP, vive em Dublin desde outubro de 2017. Foi editor e repórter nas áreas de cultura e entretenimento. Também é músico, canceriano e apaixonado por arte e cultura pop.

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