Se o Sílvio Santos trabalhasse na imigração do aeroporto de Dublin, ele iria perguntar de qual bairro era a caravana que acabara de chegar naquele voo da Iberia. A impressão era de que havia mais brasileiros no meu avião do que todos os passageiros somados (com os brasileiros incluídos, claro).
Chegar a um outro país cercado por compatriotas é confortante. É como se naquele momento todos eles compreendessem o seu nervosismo na hora em que a carta da escola parece ter desaparecido no fundo da mochila (no meu caso, a maldita se escondera no bolso da jaqueta).
Mas aquele sentimento de “alegria por ter alguém por perto que fala o meu idioma” passa rápido. Mais precisamente, logo após o moço da cabine carimbar o seu passaporte. Dali em diante começa a missão mais difícil (e fracassada) de todo brasileiro que já desembarcou na Irlanda: fugir de todos os brasileiros que já desembarcaram na Irlanda.
A meta torna-se mais desafiadora no primeiro dia de aula, quando você descobre que o vendedor daquela agência de intercâmbio não havia sido assim tão sincero contigo. Talvez ele quisera dizer outra coisa com a frase “tem poucos brasileiros na sua escola”. De repente, “poucos” significa “menos de 60%”. Vai saber…
Já na primeira semana em Dublin, eu colecionava cerca de dez amigos. Um coreano, um colombiano, um espanhol e sete coleguinhas lá daquele lugar (você sabe). A pergunta “where are you from?” dera lugar à “which state are you from?”. Aí você descobre que paulistas, gaúchos e mineiros estão tentando dominar a Irlanda.
Você começa a desistir da missão algumas semanas depois de procurar uma casa “brazilian free”. Isto não “ecziste”, já profetizara Padre Quevedo. De acordo com dados de um respeitável instituto europeu, 95% de todas as construções habitáveis de Dublin possuem pelo menos um brasileiro vivendo lá. Os moradores dos 5% dos domicílios restantes não souberam responder à pesquisa porque não entenderam o sotaque carregado dos entrevistadores irlandeses. Há boatos de que o próximo levantamento será feito em português para facilitar o entendimento de todos.
Embora fadada ao fracasso, a ideia de manter-se distante de brasileiros pode (eu disse PODE) funcionar provisoriamente (PROVISORIAMENTE, ok?). Aconteceu comigo no terceiro emprego. Após algumas semanas naquela cozinha falando apenas em inglês, me vi trocando ideia com a melancia from Rio Grande do Norte.
É impossível descrever a alegria que senti quando reparei naquela etiqueta colorida que até então era inexplicavelmente ignorada por mim. Nossa turma cresceu com a chegada do melão, da banana e do limão. A laranja (ou “naranja”, como ela prefere ser chamada) pareceu falando em portunhol e juntou-se a nós. Desde que o dono do restaurante trocou metade dos gringos por brasileiros, eu não converso mais com frutas. Minha mãe disse que é melhor assim.
Oficialmente, o governo irlandês diz que há pouco mais de dez mil brasileiros por aqui. Números extraoficiais falam em bilhões. Somos em mais, arrisco. Até tentei contar quando fui na imigração tirar o GNIB, mas até mesmo a tiazinha que anuncia os nomes das pessoas na caixa de som desistiu de falar a nacionalidade de cada um. Foi um festival de Silvas, Santos, Oliveiras e companhia. Embora frustrado por ter perdido a conta, fui celebrar o início da minha vida europeia na Dicey’s. Obviamente, evito ir ao sertanejo porque lá tem muitos brasileiros. Feijoada no The Mezz? Só vou quatro vezes por mês. É o bastante.
Após um tempo razoável na Irlanda, você percebe que a missão é inviável. Não tem como fugir de brasileiros. O negócio é aceitar a derrota e seguir em frente. Mas aí, meu amigo, a Ilha te dá o troco. Misteriosamente, um tal de Leprechaun faz com que todos os seus colegas resolvam voltar para casa ao mesmo tempo e, de repente, você se vê sozinho em meio a um mar de gringos. A quantidade de compatriotas no seu círculo de amizade diminui inversamente proporcional ao aumento de estrangeiros. Nessa hora você troca o Daft pelos Classificados Dublin.
A minha ficha caiu quando o paulista do quarto ao lado me disse que estava voltando ao Brasil. A partir de então, eu seria a única pessoa da casa habilitada a cantar “Lepo Lepo” fluentemente. Foi aí que “ser brasileiro” deixou de ser um entrave para virar exigência. Sem saber, eu estava à procura do mesmo sentimento deixado no aeroporto minutos antes de ter o passaporte carimbado. Atrás daquela sensação confortante de que, na pior das hipóteses, tem alguém por perto que fala português. E me entende. Achei. Veio na caravana de Minas Gerais.
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