O vento faz a curva na ilha, ouvi dizer que é na Cork Street, mas já vi ventania pelas montanhas, pelos Cliffs e, até, em casa. Daquelas ventanias que espalham gente, separam rios e mares, daqueles ventos de sentimentos que escorrem e desencadeiam em uma ilha. Uma ilha que criamos, uma fortaleza em meio aos nossos desmontes.
Seriam os mares inseparáveis ou estariam sujeitos à intervenção de um rio?
O tempo em que numa ilha corre aos arredores e facilmente nos dispersa e nos influencia. Uma influência da água, talvez, essa água que tomamos da torneira que, quem sabe, tenha alguma composição química que transforma nossos hábitos, nossa transpiração, nossos ruídos estomacais. Talvez a água seja a fonte de tanta separação.
Uma água que nos abre horizontes, que nos inunda de coisas novas, uma água vasta e na maior parte do tempo gelada, que transborda aquele mundinho do qual saímos.
Ir morar em uma ilha é se deparar com essa inevitável transformação. Como se todos os mares rondassem nossa esfera e sob nossos pés uma terra constantemente ativa nos engolisse para o subterrâneo de nós mesmos.
Muitos relacionamentos ali desabam. Caem em algum ponto onde parte para e parte persegue o fluxo. Um decide ir, outro decide ficar e, mesmo que ambos decidam estar, os caminhos tomam proporções distintas, ou pelo vento da Cork ou pelo vento de outras ilhas.
Seria mensurável o quão rápido e ágil é o vento, que nos entorna tanta mudança brusca, tanta desconstrução de um mundo particular?
Mudamos de casa e tudo se muda. Ficam-se os dedos, os olhos, a mala, o paladar. Fica conosco, por incrível que pareça, nós mesmos. Entre uma das maiores transformações: essa suficiência que passamos a enxergar e talvez a maior complexidade disso tudo: a busca pelos que se encaixam nesse nosso novo mundo, porque ninguém quer seguir sozinho — um mundo precisa de companhia.
E mesmo que sozinhos venhamos a descobrir que é bom tomar sorvete no frio; que se descobre e se desbrava um país que se chama Latvia; que não queremos mais ir à igreja aos domingos ou que as confissões em inglês são mais objetivas. De repente descobrimos que gostamos de ouvir música folk e não mais aquelas músicas que ouvíamos juntos, e que tudo bem! Tudo bem um ir pro Fibber Magees enquanto outro quer ir pra Diceys. E que tudo bem não irmos juntos, que de vez em quando se separar é saudável, até porque muitas vezes é em estar isolado que descobrimos onde o vento passa.
Seria assim possível mensurar o limite de uma ilha à outra? Até que ponto um par entende a transformação do outro como indivíduo e passa a querer fazer parte daquele novo mundo?
Será que entendemos que passamos a ser quem por essência deveríamos ser e talvez não estivéssemos sendo por estar em um relacionamento que se moldou em uma outra realidade?
Quanto à realidade que desaba quando um novo mundo vêm à tona? Você ainda reconheceria a pessoa por quem se apaixonou e que por anos sabia tudo sobre ela? Ou em algum ponto percebe que somos uma extensão de terra parcialmente desbravado?
Quão complexa é essa decisão de ir morar numa ilha: deixar-se guiar pelo vento e com amor atravessar águas.
Foto Capa: © Alexander Ozerov | Dreamstime.com
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