Uma das primeiras informações que um novo estudante de inglês ou universitário recebe ao começar a pesquisar sobre intercâmbio na Irlanda é que a permissão de residência — nesse caso, o conhecido visto Stamp 2 — dá direito a um intercambista trabalhar, no máximo, 20 horas por semana, exceto em meses de férias, quando as horas aumentam para 40 horas.
No entanto, com a crise de acomodação e a inflação na Irlanda atingindo patamares recordes, esses intercambistas vêm furando a regra para conseguir se manter na Ilha, principalmente em Dublin, a capital do país.
O edublin entrevistou três deles que, na condição de anonimato, contaram como está a rotina árdua de estudo e trabalho e como estão precisando aumentar as horas de trabalho por semana ou ter mais que um emprego para conseguir pagar as contas.
Antes de mais nada, vamos explicar como funciona a regra. Intercambistas que fecham um curso de 25 semanas de inglês (oito meses de permissão de residência) ou iniciam o ano letivo em um curso universitário no país podem trabalhar na Irlanda, no máximo, 20 horas semanais durante o período de aulas e até 40h nas férias e em meses específicos (entre os meses de junho e setembro; e entre 15 de dezembro e 15 de janeiro).
O salário mínimo na Irlanda, geralmente pago a intercambistas para serviços básicos como garçom, babá, cleaner, entre outros, é de 10,50 euros por hora trabalhada. Em uma soma rápida, é possível entender que, no caso de intercambistas, o salário mensal de 20 horas semanais é de aproximadamente 850 euros brutos, sem contar as taxas.
Nos primeiros meses, há ainda outro empecilho. Sem conseguir a documentação, por conta da demora na expedição do IRP (Irish Residence Permit) e do número do PPS (Personal Public Service), os intercambistas enfrentam a taxa emergencial, que segura boa parte do salário até que tudo esteja regularizado.
Agora, vamos aos depoimentos.
Mariana* tem 35 anos e é do Rio de Janeiro. Ela chegou há dois meses a Dublin para iniciar seu intercâmbio, segundo ela, “com o pé esquerdo”.
“Minhas malas foram extraviadas e fiquei uma semana tentando resolver tudo. Gastei bastante dinheiro no começo com alimentação, transporte e coisas pessoais da mala e despesas iniciais da casa, o que todo intercambista precisa no começo”, disse.
Apesar de ter chegado com o dinheiro da comprovação financeira e mais um montante para emergências, Mariana disse que não tem mais reserva. “Só de acomodação fixa, foram uns 1.740 euros”, ressaltou, dizendo que contar com apenas os 3.000 euros da comprovação financeira é algo impossível para começar a vida em Dublin.
Para poder se manter, Mariana tem enfrentado uma “rotina maluca”. Ela acorda às 5h, trabalha das 7h às 13h30 como cozinheira, entra na escola às 13h45 (“chego todo dia atrasada”), termina a aula às 16h45 e começa o segundo trabalho às 17h como cleaner até às 21h. Além disso, Mariana pegou horas extras no fim de semana, de 7h às 18h30.
“Quando chego em casa, eu só quero tomar banho e dormir”.
Segundo ela, mesmo com dois empregos, todo dinheiro que entra vai para pagar as despesas. Só de aluguel, Mariana paga 580 euros para dividir um apartamento com mais quatro pessoas e o quarto com mais duas meninas. A média de gastos de Mariana é de 930 euros por mês.
“Infelizmente, fazendo 20h por semana, você não consegue viver na Irlanda hoje. Ganhando 11 euros a hora, a conta não fecha. Algumas pessoas falam que antes da pandemia dava”, disse.
Além disso, Mariana segue taxada pelo governo por conta da taxa emergencial, já que ainda não conseguiu tirar toda a documentação necessária para estar em dia com a Receita (Revenue).
Mariana também tem sentido na pele a inflação.
“Desde que cheguei, já consigo perceber o aumento das coisas também, principalmente no mercado. Até agora, não consegui juntar dinheiro e fazer algumas coisas que queria fazer. Todo mundo diz que depois melhora. Espero que tudo fique bem!”
Mariana também menciona que muitas empresas não ligam se você é intercambista ou não e apenas dão mais horas para trabalhar. “Conheço pessoas que já fizeram 70h, 90h por semana, pois não estavam conseguindo se manter aqui”.
Arthur*, de Minas Gerais, começou seu intercâmbio em Dublin há três meses. Mesmo antes de pisar na Irlanda, os perrengues já começaram. Ele conta que pagou por um mês de hostel ainda no Brasil e, faltando quatro dias para o embarque, a reserva foi cancelada.
“Fizeram o reembolso, mas quando eu fui tentar fazer uma nova reserva em outro estabelecimento, os preços estão praticamente cinco vezes mais caros em comparação ao valor que eu paguei”, disse. Por dia, ele teria que arcar com 100 euros, o que totalizava cerca de R$ 15 mil.
Os gastos com acomodação começaram aí. Depois de ter ficado um mês em uma casa temporária, Arthur precisou voltar a pagar para viver em um hostel, com um valor bem caro.
“Mandei centenas de e-mails para tentar conseguir uma acomodação em sites de aluguel, grupos de acomodação e de brasileiros, mas sem sucesso. Conheci uma pessoa que me ajudou a achar minha acomodação atual. A localização é muito boa, no centro de Dublin, mas o valor é altíssimo”, disse.
Arthur também destaca que trabalhar 20 horas por semana não garante um salário em que dê para pagar as contas em Dublin. Ele disse gastar cerca de 900 euros por mês com acomodação e contas, sem contar o lazer.
“Desde que cheguei aqui, já mudei de emprego quatro vezes para fazer mais dinheiro e conseguir pagar minhas despesas aqui na Irlanda.”
Hoje, Arthur trabalha em um só local, mas faz 40 horas de trabalho por semana, mesmo sendo intercambista.
“Todo mundo vem com a ideia de querer juntar dinheiro aqui quando chega, mas, por enquanto, eu não consegui guardar nada. Ainda não consegui equilibrar receitas e despesas.”
O casal Marcos e Paulo* chegou na Irlanda há três meses. Eles se consideram sortudos por terem encontrado um estúdio (apartamento de um cômodo) pelo qual pagam quase 1.000 euros por mês para morar (aluguel + energia elétrica). “Não sei se servimos como parâmetro, porque geralmente os casais pagam 1.400 ou 1.500 euros por um quarto. Então, nosso estúdio é realmente um achado”.
O rendimento, somados os salários dos dois juntos (cerca de 350 euros por semana cada), dá para pagar as contas de forma tranquila, mas trabalhando mais do que as 20 horas semanais permitidas.
Segundo Marcos contou, ele trocou de emprego várias vezes em busca de mais horas. Em seu último trabalho, ele fazia cerca de 35 a 38 horas por semana, ganhando 1.470 por mês. Agora, começou em um novo cargo, em um supermercado onde faz cerca de quatro horas por dia nos dias de semana e 9h nos fins de semana.
Já Paulo trabalha em uma conveniência, seis horas por dia e full time aos fins de semana, ganhando o mínimo por hora.
Paulo ressalta que o casal tem poupado para conseguir viajar, que é um dos objetivos dos estudantes, além do valor de renovação do casal para os próximos oito meses.
Pela acomodação relativamente barata, Marcos acredita que, até mesmo trabalhando 20 horas semanais, seria possível se manter. “Mas sem luxo! Não conseguiria comprar alguma coisa para mim, comprar um tênis, algo assim. Também temos que pensar na renovação, seria muito puxado”, disse.
“Com 20h semanais, não conseguiríamos fazer mais nada. No mercado, eu sinto, sim, que os preços aumentaram um pouco. Mesmo que sejam aumentos sutis, eles acontecem, vejo que tudo está ficando mais caro.”
Maria*, 25, saiu do interior de São Paulo para viver em Dublin no primeiro mês do ano. Apesar de achar tudo lindo e maravilhoso no começo, começou a enfrentar um perrengue para conseguir tirar a documentação, como o PPS, que só conseguiu após quatro meses morando na capital irlandesa.
Atualmente de férias da escola de inglês, Maria está em dois empregos, com uma jornada semanal de 55 horas, atuando como assistente de lavanderia em um hotel e auxiliar de limpeza em um escritório.
“Minha rotina é pesada, pois não tenho horário fixo no hotel como tenho no office (segunda a sexta, somente). Com isso, eu nunca tenho um dia de folga completo entre os estudos e os jobs”, disse.
Segundo ela contou, o valor do aluguel de um quarto single é de 810 euros, dividindo a moradia com mais cinco pessoas. “Tem alimentação, transporte e roupa também, variando um custo fixo de €900 €1.000 por mês”, disse.
O quarto individual, porém, não é luxo, mas o que ela conseguiu encontrar em sua busca por acomodação. “Por conta desse valor alto do meu aluguel, eu agora, infelizmente, não consigo juntar a quantia de dinheiro que eu gostaria. Porém, eu tento guardar, pelo menos, €100 por mês, até encontrar um lugar barato e, assim, tornar minha vida mais fácil um pouco”, contou.
Trabalhando 55 horas durante as férias, Maria recebe 637 euros por semana. Quando voltar às aulas, ela deve voltar à rotina de 35 horas semanais, ganhando pouco mais de 400 euros, sem contar as taxas. Ela diz que, mesmo assim, não dá para se manter, já que o valor a mais conquistado nas férias são para pagar a renovação da escola e do visto.
“É impossível trabalhar em um só lugar se você é estudante aqui, porque os gastos, infelizmente, são maiores do que você receberá trabalhando 20h semanais — e recebendo o valor mínimo”, contou.
* nomes fictícios
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