E quando o intercâmbio surge como uma válvula de escape? Quando o desejo maior nem é só o idioma, mas fugir de um momento doloroso na vida. Será que funciona? Quem partilha um pouco dessa experiência conosco é a advogada paulista Débora Santos. Com uma vida estabilizada, um bom emprego e uma proposta de ascensão profissional, ela decidiu abandonar tudo e correr atrás de algo que ela havia perdido no caminho.
Por Débora Pires
Colaboração: Fabiano de Araújo
Olá, eu me chamo Débora Pires Silva e Santos. Estou na faixa dos 40, sou advogada em uma instituição financeira, divorciada, sem filhos e sou filha única. Minha história com a Irlanda começou no final de 2011, quando eu me separei do meu ex-marido. Apesar de ter sido uma separação tranquila, sem brigas, eu fiquei muito abatida e posso até dizer que com sinais claros de depressão.
É muito estranho quando você acha que sua vida está completa e, de um momento pra outro, surge uma ruptura brusca. O vazio é imenso e falta chão. A minha válvula de escape para toda essa carga foi o trabalho. Para manter a mente ocupada, eu cheguei a trabalhar entre 12 e 14 horas diárias, até que, em meados de 2012, minha mente e meu corpo não aguentavam mais e eu acabei tendo uma crise nervosa, a ponto de querer largar tudo.
Era hora de parar e resolver o que estava errado! A primeira coisa que me veio à cabeça foi sumir, e foi aí que surgiu a ideia de ir para outro país. Porém, tinha um detalhe assustador: eu nunca havia saído do Brasil sozinha e tampouco falava uma segunda língua. No entanto, ao mesmo tempo que tinha medo do desconhecido, por outro lado eu tentava me lembrar da mulher corajosa que sempre fui.
Em meio ao caos e a vontade de fugir para bem longe, acabei contando os meus planos para uma amiga de apenas 27 anos e ela, além de me encorajar, me ajudou com o planejamento da viagem em todo o processo. E foi dessa forma que eu decidi ir para a Irlanda. Tomei a decisão em uma quinta-feira, e no sábado já estava com a passagem e o pacote com a escola comprados, para dar início às aulas em alguns meses. Preferi manter meus planos em segredo, pois sabia que se abrisse o jogo muitos iam me chamar de louca, e no fundo eu estava louca mesmo – louca pra conhecer algo que fugisse de tudo o que até aquele momento havia feito sentido para mim.
Porém, no início de dezembro, faltando poucos meses para a tão sonhada aventura, fui informada pela minha diretora que a empresa tinha novos desafios para mim, algo novo e que seria muito importante para minha carreira profissional. Naquele momento fiquei confusa, pois sabia que ao assumir o compromisso com a empresa, eu deixaria de assumir um compromisso com a minha vida.
Sabe aqueles dilemas que a vida nos impõe? Pois foi exatamente assim! Mas no fundo eu também sabia que o intercâmbio era algo para agora ou nunca, e por isso decidi abrir o jogo com a minha diretora sobre os meus planos de sair do país. Para minha surpresa, ao invés de ficar brava, ela sugeriu que eu não pedisse demissão e me propôs uma licença de seis meses, e foi o que eu fiz.
E assim, três meses depois, dei o pontapé naquele que seria um dos maiores desafios da minha vida. Desembarquei na Irlanda sem falar uma palavra em inglês, mas disposta a ter esse reencontro tão necessário comigo mesma.
De imediato percebi que as coisas não seriam tão fáceis como eu imaginava. Logo ao desembarcar, passei mais de 40 min na imigração tentando comprovar toda a minha documentação e só não fui impedida de entrar no país porque consegui mostrar que iria estudar, que tinha uma residência para ficar e que estava de licença no meu trabalho no Brasil. Acredito que o fato da idade deve ter chamado a atenção da imigração, imaginando que eu tinha outros propósitos no país além da língua. Mas, enfim, após ser liberada pela imigração, entrei no transfer e segui na direção daquele que se tornou meu endereço durante os seis meses de Irlanda.
Ao contrário da maioria, não fui para uma residência estudantil. Acabei alugando um espaço na casa de uma senhora de 60 anos, que convivia com cinco gatos. Talvez inconscientemente, o fato de ela ter a idade de minha mãe tenha sido preponderante para a minha escolha. O mais incrível é que o nosso entrosamento foi tão forte que ela acabou me “adotando”, me fazendo sentir em casa.
Eu sempre tive muita dificuldade com a língua inglesa e na Irlanda não seria diferente. Passei por inúmeras situações difíceis, constrangimentos, vergonha, mas ao mesmo tempo fui conhecendo pessoas que souberam me acolher e me ensinaram a sobreviver.
A Irlanda me fez crescer como uma pessoa humana, sabendo diferenciar melhor o sentido da vida e não ser mais aquela pessoa dura, desprovida de experiências. Eu amadureci muito, apesar de ter chorado rios de lágrimas, me apaixonei e em seis meses experimentei tantas sensações diferentes das quais em 40 anos de vida não havia presenciado. Tive a felicidade de comemorar os meus 40 anos com pessoas que jamais havia pensando que um dia iria conhecer.
A Irlanda me ensinou a me respeitar, a pôr limites na minha vida, separar o trabalho da vida pessoal e arrumar tempo para os amigos. Aprendi a viver, peguei gosto pelas viagens, fiz novos amigos – e não foram só brasileiros – aprendi a me comunicar e ter o prazer de entender o que o mundo fala.
Mas meu caso de paixão com a Irlanda não se resumiu somente àqueles seis meses. A prova disso é que eu já voltei mais três vezes à Ilha Esmeralda. E sempre que retorno vou visitar minha mãe irlandesa, porque é assim que eu a considero.
Muitas vezes o intercâmbio oferece muito mais do que a fluência do novo idioma. Seja qual for o motivo da sua saída do Brasil, lembre-se sempre de ir de braços e coração abertos para essa descoberta tão importante de você mesmo. O meu intercâmbio me ensinou a vencer os medos e me transformou em uma nova mulher, uma mulher que sabe quebrar barreiras e aceitar as diferenças. Como sou filha única, sempre fui mimada, o que é natural. Eu fazia as coisas do meu jeito, sabendo que se algo desse errado teria alguém para me corrigir. No intercâmbio eu me redescobri, aprendi a ouvir mais, compartilhar as coisas e respeitar o espaço do outro. O inglês foi apenas a ponta do iceberg de tantas outras coisas que eu aprendi na Irlanda e por isso eu sou muito grata a esse país.
A série Meu Intercâmbio conta com a colaboração do repórter Fabiano Araújo e tem o objetivo de dar oportunidade a estudantes que estão vivendo a experiência de intercâmbio na Irlanda, de contar suas histórias, alegrias e perrengues como intercambistas. Se você também quer compartilhar como tem sido a sua nova vida desse lado do globo, basta entrar em contato com: jornalismo@edublin.com.br
Revisado por Tarcísio Junior
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