O intercâmbio me fez perceber que é possível ser feliz sozinha
6 anos atrás
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Sabia que é obrigatório ter um seguro viagem para ir pra Europa?
Nossa série com entrevistas à intercambistas que já retornaram ao Brasil continua e a jornalista e articuladora social Jéssica Moreira, de 24 anos, nos conta a real do intercâmbio depois que retornamos ao Brasil e como foi o processo, desde o início.
The interview
Qual o período e em qual cidade você ficou na Irlanda?
De agosto de 2014 a agosto de 2015, em Dublin.
Por que decidiu fazer o intercâmbio?
Ao terminar o ensino médio, em 2008, um sentimento de depressão pairou em mim. Eu não havia passado em nenhuma das universidades que havia prestado. Foi aí que meu pai, mãe e avó se juntaram para fazer uma “vaquinha” para pagar um curso de inglês. Fiz o curso até meados de 2012 e após ver que alguns professores do curso já haviam viajado para fora, no Canadá, EUA e Irlanda, fiquei inspirada.
Eu não tinha grana, ganhava 800 reais estagiando na área de comunicação até 2013. Não havia como juntar o dinheiro, mas eu dizia para todo mundo que, após finalizar o curso de Jornalismo, eu iria viajar para fora – perseverante mesmo. Então, antes mesmo de terminar a faculdade, eu troquei de trabalho (duas vezes) e o sonho ficou mais próximo.
Em julho de 2013, terminei a faculdade e em dezembro comecei a pesquisar sobre agências e lugares. Em fevereiro de 2014, eu decidi que o destino seria Dublin e fechei o pacote do curso, passagem, estadia etc. No dia 10 de agosto, pela primeira vez na vida, eu peguei um avião internacional no aeroporto de Guarulhos, com destino a Dublin.
Eu sempre quis fazer intercâmbio, pois via na experiência de viver noutro país uma oportunidade de crescimento pessoal e maturidade, já que nos deparamos com diversas situações desafiadoras longe de casa e da família. Eu queria mesmo me desafiar. Sim, o Inglês também era um objetivo, já que eu não me adaptava com a língua.
Depois de fechado o pacote, também queria conhecer a Europa e esse foi um dos motivos de escolher Dublin como destino. No final, visitei as capitais de diversos países: Bélgica, Holanda, Alemanha, República Tcheca, Hungria, Áustria, Itália, Inglaterra, Escócia, Espanha, França, Portugal e a Irlanda.
Como foi em relação a empregos durante o intercâmbio?
Não tive dificuldades em arrumar um trabalho. Na verdade, tive sorte. Como sou jornalista, fui em busca de pautas sociais em Dublin. Após ler o Metro, vi um artigo falando sobre as dificuldade dos cleaners e au pairs e descobri o Centro de Direitos do Imigrante (Migrant Rights Centre Ireland). Também comecei a ir às reuniões do grupo “Au Pair Rights” para encontrar pessoas e escrever matérias.
Lá, uma moça me indicou para uma vaga (mas isso também foi despretensioso, pois não é um local de indicação de vagas, mas sim de discutir direitos. Lembro-me bem dela perguntando: está procurando emprego? Eu disse não, pois não pensava em trabalhar naquele momento, mas ela me indicou mesmo assim). Então fui nanny. Trabalhava 3 a 4 horas por dia, ganhava o mínimo do período – 8.65 euros – e conseguia pagar minhas contas, beber minha pint e viajar! Trabalhei por 6 meses mais ou menos. Foi muita sorte.
Continuei fazendo parte das reuniões e workshops do grupo, o que me enriqueceu muito, já que eu sentia muita falta da movimentação social de São Paulo. Eu costumava ir às passeatas, também, como aquelas que lutavam contra a cobrança da água (No Water Charge!), assim como a “Pro-Choice”, uma campanha de mulheres que lutam pela legalização do aborto em Dublin. Ia em encontros feministas do grupo Rosa, também. Essas questões me eram muito importantes.
Quais foram as principais dificuldades que encontrou nessa fase?
A primeira dificuldade para mim foi a língua, já que meu inglês era muito, muito básico. Mesmo que de forma tímida, quando você chega a um novo país que não sabe a língua, você sofre um tipo de preconceito. Muitas pessoas não têm paciência e acabam desistindo de conversas. Foi uma fase difícil, que precisou de muita perseverança e estudo.
Outra dificuldade que encontrei logo na primeira semana foi a de encontrar uma casa para morar. Em Dublin, isso é uma dificuldade e eu cheguei em agosto, um mês antes do curso iniciar, então foi muito difícil, pois caímos (eu e minha prima) em uma grande cilada, de uma senhora chamada Susi Medeiros, que sublocava casas em Dublin 7, mas de forma ilegal. Nós, com medo de ficarmos sem casa, pagamos um depósito no valor de 350 euros para ela. As regras da casa eram escritas em um papel, todo em inglês, uma loucura, não entendíamos nada. Além disso, era proibido atender telefone, campainha ou receber cartas. Começamos a achar tudo estranho e resolvemos não morar mais lá mais. No outro dia pedimos nosso depósito de volta, ela não devolveu. Chamamos a Garda, mas não resolveu nada. Então, fomos até a casa dela e o coreano que morava lá também mas não podia sair no portão, jogou um avião de papel com o número de outro coreano que também havia sido passado para trás. Ligamos e o coreano nos apresentou a mais pessoas que também haviam sido roubadas. Nos reunimos umas duas vezes na beira do Liffey, sem mesmo falar inglês, mas unidos por termos sido roubados. Porém, eu e minha prima acabamos por desistir de brigar. Ou gastávamos nossa energia aprendendo inglês ou na busca do dinheiro perdido. Decidimos estudar.
O melhor no intercâmbio?
Ao meu ver, foi a possibilidade de auto reflexão. Acabamos nos despindo de nossas “bagagens”, longe de casa e dos amigos. É um momento de saber seus limites e superar desafios. Isso é incrível, pois nesse caminho você descobre que é capaz de fazer muitas coisas que desconhecia como, por exemplo, viajar sozinha de mochila nas costas, conhecer pessoas novas e de culturas totalmente diferentes da sua, deixando seus preconceitos de lado. Você aprende a lidar com sua própria solidão e ver nela um caminho, inclusive, de encontrar novas e diferentes pessoas.
Toda vez que botava meu pé para fora de casa em Dublin – indo à escola ou ao trabalho – eu pensava: estou pisando no meu sonho. Estou pisando onde planejei estar. É a sensação, mais uma vez, de que você é capaz. Dá um misto de felicidade, pela realização do sonho, mas também de ansiedade, de querer saber como será sua vida naquele local. Os primeiros dias você se perde, as ruas são tão parecidas para você e nada tem referência afetiva, até você começar a encontrar pessoas nesses lugares antes desconhecidos e eles, então, tornarem-se espaços cheios de sentido, familiares.
Existe uma idade e período certo para alguém fazer intercâmbio?
Acredito que não haja uma idade ou período certo. Existe o momento e planejamento de cada um, sem colocar isso em uma caixinha e regras. Conheci muita gente mais velha e outros mais novos. Entre os europeus, eu analisei, é bem comum viajar ainda quando jovem. Vi muitos brasileiros e brasileiras mais velhos.
Qual a sensação ao pisar no país que escolheu fazer intercâmbio? E qual a sensação de voltar pra casa?
Chegar em casa novamente é incrível. Quando cheguei minha família fez uma grande festa, todos os tios e tias vieram, traziam presentes e boas-vindas. Me senti muito amada, senti que eu posso ir tranquila para qualquer parte do mundo, que meu porto seguro está garantido. Mas, sim, a volta é estranha, demora-se um bom tempo para se adaptar. Acho que até você conseguir um emprego de volta, o percurso é ainda de “limbo”, pois você sente que está com a cabeça no outro país, mas fisicamente está aqui. É um pouco difícil, pois a saudade aperta e você descobre que seu coração também ficou lá, e que você tem uma nacionalidade do coração pra toda a vida. Faria isso mil vezes em minha vida! Foi incrível!
Considera que o intercâmbio mudou sua vida?
O intercâmbio colaborou muito para minha maturidade. Eu sou outra pessoa. Aprendi a me organizar, principalmente na parte financeira. Aprendi a cozinhar e cuidar de mim, a conviver com a solidão e a gostar de mim, pois na situação de intercambista há muitos momentos que você se sente sozinho. E, acredite, é possível ser feliz sozinho – além de aprender a conviver, pois eu morei com coreanas, chilena, mexicana e outras brasileiras, em um flat de dois cômodos. Nunca brigamos. Aprendi a tolerar diferenças e a aprender com elas. Foi enriquecedor, ampliou minha visão de mundo e colaborou para entender os processos de uma cultura diferente da minha. Esteja muito aberto a isso. Eu fui para a Irlanda um mês após a morte de meu pai. Vi toda a viagem como um processo de “rompimento do cordão umbilical a forceps”. Ou eu amadurecia ou eu amadurecia. Sou mais segura de mim.
O que diria pra quem pensa em fazer intercâmbio na Irlanda?
Eu daria alguns conselhos:
1) Procure por agências que demonstrem dar apoio tanto no Brasil quanto lá;
2) Não acredite em tudo que as agências te dizem sobre facilidades em conseguir emprego ou casa para morar. Seja crítico;
3) PROCURE POR SEUS DIREITOS. O MRCI é bem legal, bem acolhedor. Ser imigrante não é fácil em nenhum lugar do mundo, ainda mais nós, latinoamericanos, na Europa;
4) Leve pelo menos mil euros a mais do planejado;
5) Faça um plano de saúde;
6) Saiba como é o clima e leve roupas de acordo;
7) Faça uma rede de amigos (você estará longe de casa);
8) Não siga listas ou fórmulas mágicas. Faça inicialmente o que você mais gosta de fazer. Eu não procurei por emprego no primeiro momento, mas sim por atividades que eu gostava e, consequentemente, consegui um emprego;
9) Tente descobrir a cultura local, faça amizade com nativos e estrangeiros. Vá a baladas e pubs, são os melhores locais;
10) Não deixe seus amigos brazucas. Maior besteira isso, pois seus conterrâneos irão te ajudar;
11) Participe de todo tipo de encontro de línguas. As bibliotecas de Dublin oferecem isso gratuitamente;
12) Estude muito. Para me ajudar, eu ouvia rádio pelo menos 30 minutos por dia e lia os jornais gratuitos. Também escrevi um diário da minha vida em Dublin em inglês, e falava mesmo sem saber falar. Aprendi muito!
Revisado por Tarcísio Junior
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