“Quem escreve um livro, cria um castelo. Quem o lê, mora nele!”
Eu lembro muito bem quando uma professora, ainda no primário, disse essa frase do grande escritor brasileiro Monteiro Lobato durante a aula. Fiquei encantado! E naquele momento decidi que moraria sempre num castelo. E quem sabe um dia, criaria um. Desde então, é difícil recordar de algum momento da minha vida em que os livros não estivessem presentes.
Muito, muito antes de pensar em me aventurar como intercambista em Dublin, mergulhei nas páginas do “Retrato de Dorian Gray”, do tão conhecido Oscar Wilde. Leitura maravilhosa! Mas, para ser honesto, cá entre nós, falando sobre outro renomado escritor irlandês, tentei ler e entender “Ulysses”, de James Joyce, mas não aconteceu. Poderia culpar a tradução para o Português, mas não o farei. A obra realmente não me cativou. Sorry about that, James!
Quando cheguei na capital Irlandesa, há 4 anos, um dos primeiros locais que visitei, e me apaixonei, foi a maior e mais antiga livraria do país, chamada Hodges Figgis, que fica num antigo e charmoso prédio no coração da cidade, na Dawson Street.
Ainda sem falar uma frase correta em inglês, explorei os andares da loja, que mais parece uma biblioteca, e fiquei fascinado pela quantidade de títulos, muitos deles difíceis de serem encontrados no Brasil. Mas também me entristeci depois de alguns minutos circulando por lá. O motivo? De que adianta ter todo esse acervo ao alcance das mãos se eu não conseguia pronunciar corretamente nem mesmo o nome da loja (já tentou?) ou ler os sinais de Welcome? Me senti mais cego que os personagem do José Saramago em “O Ensaio sobre a Cegueira”.
Esse sentimento de “cegueira literária”, como eu chamo, me acompanhou por um bom tempo. Como muitos estudantes brasileiros, eu acreditava que depois de seis meses estudando na Ilha Esmeralda eu aprenderia todos os phrasal verbs, conditionals, irregular verbs e muitas das Irish slangs! Com certeza, alguns alcançam esse objetivo em pouco tempo. Mas não foi meu caso.
O primeiro livro em inglês que li do início ao fim foi depois de quase um ano e meio estudando o idioma. Claro que tive várias tentativas não bem sucedidas nesse meio tempo, mas o primeiro em inglês a gente nunca esquece: “Zoo Station: The Story of Christiane F.” – que para nós é mais conhecido como “Eu, Christiane F., Drogada e Prostituída”. Um dos meus favoritos! Lembrando que consegui uma cópia apenas em Berlim, quando visitei a cidade. É difícil encontrá-lo em Dublin, porque, aparentemente, o livro foi banido do país nos anos 80 por ter um conteúdo não muito ortodoxo.
Depois do primeiro, li muitos outros. E hoje posso afirmar que a leitura corre solta, sem muitas amarras. Mas, por favor, não me peça para ler “Guerra e Paz” do Tolstoy. Ainda não estou preparado para esse desafio.
E como Fernando Pessoa disse, e é a mais pura verdade, “Tudo vale a pena quando a alma não é pequena”. Atualmente, eu faço parte do quadro de booksellers da Hodges Figgis, que está celebrando 250 anos – eu mesmo, que quando visitei a livraria tempos atrás, não sabia nem pronunciar o alfabeto em inglês corretamente. Para muitos, pode ser nada significativo, mas para um apaixonado por livros como eu, é um salto gigantesco.
Um dos grandes desafios diários no meu trabalho é o idioma. Mesmo confiante e sabendo que hoje em dia escrevo, entendo e falo fluentemente, sempre existe aquela palavra que ainda estava fora do meu vocabulário, aquele sotaque pesado por telefone que me deixou na dúvida. Lembrando, também, que sou o único non-native English speaker. Todos meus colegas de trabalho são nativos da língua inglesa. Minha rotina, entre outras, é ajudar os clientes a encontrarem os livros que desejam e saírem satisfeitos. E, sem falsa modéstia, acho que sou bom nisso.
Sempre tenho um tempinho para um papo, uma recomendação, e também para responder a pergunta que mais me fazem: de onde você é? Respondo sempre orgulhoso que sou brasileiro e, quando convém, digo que não simpatizo com Paulo Coelho, mas gosto demais de Jorge Amado e Clarice Lispector.
Pra terminar, cá entre nós, toda vez que eu vendo uma cópia de Ulysses, minha real vontade é perguntar: você tem certeza que vai ler isso?
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