Trauma ou não? A volta para o Brasil sempre dá o que falar. Muitos falam que a adaptação é um pouco difícil, mas que basta ter paciência que tudo volta ao normal. Mas, convenhamos, se quiséssemos que tudo voltasse ao normal, teríamos feito um intercâmbio? Teríamos nos jogado de corpo e alma em uma experiência tão intensa e incrível como essa?
Pois é! Mas enfim, voltamos! E como isso funciona? É claro que varia de pessoa para pessoa, mas algumas constatações são inegáveis!
Bom, a chegada pode ser um pouco complicada, principalmente, se você não está voltando porque não gostou do intercâmbio. Se sentir deslocado na própria casa, não entender as piadas e histórias que surgem nas rodas de amigos e se pegar comparando TUDO o que acontece com o que vivia lá é completamente normal, mas também dolorido. Se você for ao supermercado, então… Só de olhar os preços já bate uma “leve” depressão.
Entenda, não é que sua família ou amigos não te amem ou te achem metido. Simplesmente não tem como eles darem o mesmo tratamento às suas experiências no intercâmbio pelo simples fato deles não terem vivido na pele aquilo. Muitas vezes eles podem não entender o significado que isso teve para você.
Quem entenderá o quão importante foi dormir no aeroporto para economizar e conseguir ficar um dia a mais na viagem que você juntou dinheiro pra ir? Ou quando você se aventurou contando moedas no Tesco/Lidl/Aldi com seus amigos e fizeram a melhor janta comunitária de todo o intercâmbio? Ou ainda, a felicidade de conseguir um emprego melhor, mesmo ele sendo de cleaner, é algo que pode nunca entrar na cabeça de seus amigos ou de sua família, que viram você se matando pra pagar a faculdade. O que nos leva ao próximo tópico…
Já ouviu essa resposta ao perguntar para um intercambista como é voltar? “Eu mudei eu mesmo”. Isso é verdade! As experiências intensas que te fizeram mudar a percepção do mundo e de si foram exclusivamente suas. Ou seja, a probabilidade de retornar e todos estarem exatamente iguais (além de alguns meses mais velhos, é claro) é muito grande. E o impacto que isso gera nunca é pequeno. Por isso se sentir deslocado é tão comum, principalmente no início.
O que é felicidade para um amigo seu, pode não ser mais pra você. A dúvida entre se estabelecer e casar, juntar dinheiro e viajar mais ou ganhar R$2.000/mês no Brasil trabalhando de 8 à 10h/dia (após um trânsito absurdo diariamente) contra esse mesmo valor trabalhando 6h/dia (após período de aulas e sem precisar comprar um carro), começa a mexer com sua cabeça.
Você tenta e tenta explicar o que está sentindo. Você não está triste por ter voltado, só se sente estranho, deslocado. Você tenta explicar isso mas ninguém te entende? Calma, isso também é algo normal de acontecer. Novamente, entenda que esse amontoado de experiências que te fizeram viajar de corpo e alma em uma nova vida, com novas pessoas e situações diferentes das que estava acostumado, aconteceram somente com você. Como externalizar tantas experiências que aconteceram de forma tão intensa e se fazer entender? Isso é algo que, com o tempo, você aprenderá que ficará com você.
Conversando com intercambistas que já retornaram há muito e pouco tempo (Sim, porque não existe ex-intercambista. Isso é igual tatuagem, ficará gravado em você pra sempre), podemos ver que isso tudo melhora. Com o passar do tempo, paramos de comparar tanto, pra tentar entender o que conseguimos aprender com o que vivemos e a como conseguir melhorar nossa vida onde quer que estejamos. Aquela saudadezinha, porém, pelo que tudo indica, é eterna, mas como disse um grande amigo uma vez: “O que foi bom jamais será esquecido. E se temos saudades, é por que foi inesquecível”.
Felipe Vasconcelos Lovison, 21 anos e dono do blog Gringos Brasileiros.
“Meu intercâmbio na Europa foi de 17 meses. Nesse tempo, morei em 3 países, Itália (sendo voluntário em um asilo), Irlanda, e Inglaterra. Fui com o propósito de passar muito tempo, mas no meu segundo mês na Inglaterra eu resolvi voltar porque eu queria fazer uma faculdade, e lá iria ficar muito caro, mesmo eu tendo o reconhecimento da cidadania. Durante cinco meses fui me preparando para a volta. O momento mais difícil, com certeza, é a hora que você realmente decide voltar. Eu chorei quando comecei a olhar os preços das passagens aéreas. Tive muito medo de voltar porque tinha ido com o objetivo de ficar, e muitas pessoas no Brasil sabiam disso, então sempre pensei que eles falariam: “Você perdeu tempo, todos os planos deram errado, eu sabia…”. Tinha medo da segurança que acabaria assim que pisasse no Brasil, o transporte não seria o mesmo, a educação das pessoas seria diferente e o clima com certeza seria complicado, pois mudar do frio para o calor (7º para 40º) é realmente triste e doloroso! E como fui me preparando ao longo desses meses, acredito que o baque foi menor por conta disso. Mas a tristeza veio após umas três semanas depois que cheguei ao Brasil. O incrível é que você mesmo se estranha, parece ser outra pessoa, não consegue conversar com as pessoas, prefere a solidão e briga com todo mundo. Hoje, faz cinco meses que retornei ao Brasil e, desde então, o sentimento de tristeza passou, mas sempre haverá o desejo imenso de voltar. No entanto, acredito que se tiver foco, conseguirei superar, pois eu tenho apoio total da minha família e aprendi com o intercâmbio a dar valor às pessoas que nos amam e nos querem por perto. Isso me ajudou e me ajuda muito!”.
Ariane Gomes, 36 anos e há 5 meses em Dublin, pela segunda vez!
“Depois de passar 11 meses em Dublin e tudo ter ido muito bem, apesar dos desafios e contratempos enfrentados, tive de retornar ao Brasil por motivos maiores. Embora tivesse a vontade de voltar, pois mais da metade da minha vida que construí ainda estava lá me esperando, percebi que ao longo destes 11 meses, sem perceber, eu já tinha construído uma vida aqui, e sim, eu estava feliz com ela, embora não percebesse. Quando cheguei ao Brasil, a primeira coisa que pensei foi que teria que retomar a minha vida normal, a mesma cidade, os mesmos amigos, talvez o mesmo trabalho e a mesma rotina de sempre. Só que tudo ocorreu de maneira contrária. Mudei de cidade, relacionamentos foram rompidos, amizades foram desfeitas e tudo que estava sob controle na minha vida, saiu do controle e mudou literalmente da noite para o dia. Eram tempos de mudanças, tempos de recomeço. Foi então que percebi o quão significativa foi a minha permanência em Dublin. Voltar para o Brasil só me fez enxergar que não temos absolutamente controle de nada em nossas vidas, e que se a regra da vida é viver um dia de cada vez, sem temer o que temos pela frente, porque não fazer isso isto onde o vento sopra forte e o mar é agitado? E apesar do que aconteça, no mínimo você se tornará um excelente marinheiro. Dublin, aqui estou eu de novo!”
Revisado por Tarcisio Junior
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