Estão cada vez mais frequentes os casos de violência em Dublin envolvendo adolescentes que atacam principalmente estrangeiros. São inúmeros relatos nas redes sociais destacando casos de agressões gratuitas e roubos. Dados do CSO (Central Statistics Office), central de estatísticas da Irlanda, mostram que, em geral, houve aumento em casos de violência no país.
Recentemente, entre os brasileiros, as vítimas têm sido pessoas que trabalham em empresas de entrega de comida, via bicicleta ou moto. O caso de um jovem espancado e roubado ao fazer uma entrega e a atuação de uma gangue contra um grupo de entregadores acendeu o debate entre esse grupo, que resolveu se reunir para tomar algumas providências.
Outros relatos constantes nas redes sociais deixam a dúvida: será que ainda é seguro morar na Irlanda?
Uma profissão popular para brasileiros na Irlanda é atuar na área de “delivery”. Com uma bicicleta ou moto e uma conta em uma empresa de entregas é possível trabalhar buscando comida nos restaurantes e entregando na casa dos clientes. Porém, a profissão parece estar ficando cada vez mais perigosa. Geralmente, quem faz esse serviço trabalha sozinho e precisa fazer entregas em bairros afastados.
No domingo, 17 de fevereiro, um brasileiro que trabalha com delivery, mas preferiu manter o anonimato, foi atacado por um grupo na região de D11. Ele afirmou que recebeu um pedido de entrega para fazer em Cabra e na sequência no bairro Finglas. Chegando no último endereço, porém, verificou que o número da casa estava incorreto. “Liguei no restaurante e esperei o retorno. Só deu tempo desligar o telefone e fui surpreendido por vários caras. Eles saíam de dentro do mato, por todos os lados”, afirmou.
Uma testemunha chegou a ver o ocorrido de dentro de um carro, mas não auxiliou. “Eles me deram muitas pancadas na cabeça, enquanto uns levaram a moto, outros me batiam e pegaram minha carteira”, relatou. Ele perdeu 842 euros, montante designado a ser trocado em reais, já que ele estava com passagem marcada para o Brasil no dia 24 de fevereiro.
Somente depois de ter sido roubado e espancado, um taxista parou e levou o rapaz para a uma estação da Garda. O entregador teve várias escoreações pelo corpo, além do nariz quebrado. Ele chegou a ir em três hospitais, mas nenhum fez exames completos. “Fui atendido, mas me examinaram somente visualmente, sem radiografia. Médico de nariz iria estar disponível apenas em uma semana e a cirurgia entre duas e três semanas”, disse ele, que antecipou a passagem de volta para quinta-feira e já está no Brasil realizando os exames.
Na noite de quarta-feira, 20 de fevereiro, um grupo de garotos provocou entregadores do Deliveroo que aguardavam para fazer entregas, o que ocasionou uma confusão generalizada. Matheus Travalhano Filho, que trabalha há quatro meses como entregador, relatou que havia aproximadamente 10 adolescentes que começaram a jogar ovos e proferir ofensas, danificando bicicletas e agredindo alguns dos entregadores que estavam próximo à ponte da O’Connell Street, onde há muitos restaurantes.
“Se não tivesse muitos entregadores, acredito que poderia ser pior. Os adolescentes poderiam ter agredido os poucos que poderiam estar ali. Eles são fora de série, batem mesmo”, disse. Ele acredita que a violência está ocorrendo frequentemente com os entregadores. “Já aconteceu muito com os mexicanos, com africanos e agora passou para os brasileiros”, afirmou.
Matheus disse que ouve as histórias o tempo inteiro, dependendo das regiões. “Maryland, Drumcomdra, regiões perto do aeroporto são bem perigosas para fazer entrega”, disse.
A brasileira Jasmin Ferrari estava esperando o ônibus próximo ao confronto e confirma que os adolescentes provocaram os brasileiros, atingindo-os com ovos. “Foi xenofobia sim”, disse. Ela gravou vários vídeos, que viralizaram na internet (assista acima). “Quis mostrar o que está acontecendo. Já trabalhei em restaurante e sei como esses entregadores sofrem”, disse.
Cerca de 200 entregadores brasileiros se reuniram em uma praça na Dame Street, em Dublin, na tarde quinta-feira, 21 de fevereiro, com o objetivo de falar sobre diversas questões envolvendo condições de trabalho dos entregadores. Ela foi marcada antes do ataque de quarta-feira, mas após o acontecido, a violência acabou sendo a pauta principal da discussão.
Um dos organizadores do encontro, Raphael Duarte, que trabalha há um ano e meio como entregador, afirmou que esta foi a primeira vez que eles se reuniram. Ele afirmou que a intenção foi falar sobre valores pagos, o aumento de raio de entrega, entre outros pontos. “Mas o que houve ontem (quarta) foi a gota d’água”, disse, sobre a cena de violência.
Para ele, uma forma de agir é contactar a empresa de entrega para que possam pressionar o governo para tomar atitudes contra as gangues de adolescentes que atacam os entregadores. “A ideia também é reunir um grupo representantes na Garda e na Embaixada Brasileira para tentar resolver isso da melhor maneira possível, sem baderna”, disse.
Raphael ressalta que esse tipo de violência acontece com todo mundo. “Tem que evitar esse vitimismo de que ‘ah, é porque eu sou brasileiro’. Existe xenofobia em todo lugar do mundo. Aqui não seria diferente. Não é o País das Maravilhas como todo mundo pensa. Todo lugar tem seu lugar perigoso”.
Raphael também disse que é preciso orientar os novos entregadores, que muitas vezes chegam em Dublin e começam a atuar na área sem ter ciência do que está acontecendo. Assim, ele criou uma página no Facebook, A Vida de um Deliveroo Rider, onde posta dicas para iniciantes.
A brasileira Poliana Pinheiro está há sete meses trabalhando como entregadora. Ela é uma das poucas mulheres que atuam nessa área, dominada massivamente por homens. Ela afirmou que, por ser mulher, já sofreu xenofobia, bullying e até violência. “Os adolescentes estão mais agressivos ultimamente. Se a gente estiver uniformizado, em uma área de risco, eles querem roubar comida, nos atacar. Antigamente era arremessando ovo. Hoje eles usam taco de beiseball. Tem sido frequente esses tipos de ataque. Como mulher eu estou preocupada”, disse.
Poliana cita áreas como Ballymun, região atrás da fábrica da Guinness e Dublin 8. Ela disse que tem tomado providências pessoais como não fazer entregas em determinadas áreas. “A briga começou a ficar mais visível, eles começaram a atacar a gente de graça. Estamos trabalhando inseguros.”
A CSO relatou aumento e queda no número de crimes na Irlanda entre 2017 e 2018. No caso de violência como atentados, foram 18,2 mil em 2017 e 19,4 mil em 2018, um aumento de 14,5%. Atos perigosos ou negligentes passaram de 8,2 mil para 8,4 mil em um ano, crescimento de 9%. Extorsões subiram 14,6% e roubos 3%. A maior porcentagem, porém, é de crimes sexuais, um aumento de 18,3%. Já a maior queda é de homicídios, -28,2%.
Entre índices em crescimento e outros em queda, a Irlanda segue como sendo um dos lugares mais pacíficos do mundo para se viver. Segundo o Global Peace Index 2017 (Índice de Paz Global), a Irlanda em sétimo lugar, entre 163 avaliados. O Brasil consta em 89º desta lista.
A empresa Uber Eats afirmou estar investigando o caso. “A Uber Eats leva a segurança de todos que usam nosso aplicativo muito a sério. Não há lugar para violência em nossas comunidades e trabalhamos em estreita colaboração com a polícia para auxiliar investigações de ataques contra entregadores. para se sentirem seguros e ter a liberdade de escolher quando e onde eles trabalham, que é uma das razões pelas quais não estabelecemos turnos nem informamos quais áreas eles têm de entregar”, disse, reafirmando que os entregadores recebem cobertura de seguro gratuita para doenças, acidentes e ferimentos.
A empresa Deliveroo, uma das principais na Irlanda em entrega de alimentos, também se manifestou. “Estamos cientes deste incidente e estamos investigando. Os entregadores trabalham duro para trazer aos clientes refeições incríveis e devem poder fazê-lo sem estarem sujeitos a assédio ou ameaças de violência”, disse a empresa, em nota. “Levamos muito a sério os relatórios sobre segurança e faremos tudo o que pudermos para protegê-lo de ter sua propriedade roubada ou de ser atacada. Entramos em contato com uma Garda Siochana para destacar essas preocupações e trabalharemos para ajudar nas investigações”, continua.
• Se você tiver alguma dúvida sobre o preenchimento de um pedido devido a considerações de segurança, mova-se para um local seguro, fora de qualquer perigo imediato, e entre em contato com o suporte (015268523). Isso não afetará como você trabalha conosco no futuro.
• Se você não se sentir seguro em entregar a uma determinada área, não precisará entregar lá. Sua segurança é nossa prioridade, por isso, se você se sentir inseguro, entre em contato com a equipe para discutir outras áreas disponíveis para trabalhar.
• Relate suas preocupações para o Gardai. Lembre-se de ligar para 112 ou 999 se for ameaçado ou atacado ou se for testemunha de um crime. Você também pode denunciar o roubo de sua bicicleta on-line se ela estiver avaliada em € 1.000 ou menos em https://www.garda.ie/en/About-Us/Online-Services/Theft-Declaration/
• No final de cada pedido, você pode usar a ferramenta de classificação de pedidos para nos informar se você tem problemas de segurança. Usamos esses dados para trabalhar com a polícia e os conselhos locais para sinalizar áreas problemáticas e ajudar a mantê-lo seguro.
• Lembre-se: nunca enfrente um ladrão ou arrisque sua própria segurança.
A Embaixada do Brasil em Dublin, em nota, afirmou que orienta as vítimas a realizarem o boletim de ocorrência junto a polícia local (Garda) e a entrarem em contato com a equipe de Assistência Consular da Embaixada. “Informamos que o setor consular está em frequente contato com a polícia local para tratar dos episódios que tem chegado ao nosso conhecimento.”
A Garda também foram contatada, mas não obtivemos resposta até o fechamento desta matéria.
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