O intercâmbio é desafiador para qualquer pessoa, mas para alguns lidar com a ausência dos entes queridos é muito mais difícil do que se imagina. Como apaziguar a vontade de estar com a família e amigos? Como suportar a ausência em datas especiais, como aniversários, natal e ano novo? Será que a saudade de casa é capaz de encurtar a estadia de um intercambista? Essa foi uma questão que atordoou os dias de Mazé Costa, nossa convidada de hoje. Aos 34 anos, a paulistana, analista de sistemas, conta como tentou superar a saudade que não deixava de apertar no peito.
Por Mazé Costa
Colaboração: Fabiano de Araújo
Intercâmbio era uma coisa que jamais tinha passado pela minha cabeça. Nunca foi um sonho, até porque sempre fui muito realista e, por vir de uma família bem simples, nunca imaginei que isso seria possível, muito menos que eu teria dinheiro um dia para essa aventura.
Após algumas amigas próximas terem voltado de seus intercâmbios em locais diferentes, eu me questionava “Why not?”. Comecei a pesquisar e percebi que era viável, mas meu problema era: eu nunca gostei de inglês, língua difícil e complicada de se entender. Sempre achei ela muito difícil e, mesmo no Brasil, tive muitas dificuldades para ultrapassar o nível básico.
Depois de algumas pesquisas em agências, decidi fazer o intercâmbio em Dublin e confesso que eu não poderia ter escolhido cidade melhor. Com a dica de uma amiga que escreveu um e-mail em inglês para mim, comecei a prospectar várias escolas de idiomas em Dublin até que encontrei uma que estaria de acordo com o meu orçamento. Fechei seis meses de curso e um mês de acomodação em casa de família.
Depois de todos os preparativos, chegou o grande dia. No aeroporto estava minha mãe, minha irmã e a minha melhor amiga. Esse foi o primeiro choque, me separar das pessoas que eu amava. Eu já tinha na cabeça que iria ficar um ano ou mais, a depender do que fosse acontecer. Foi muito difícil deixar minha mãe no aeroporto, sei que ela segurou muito o choro, como eu também, um querendo ser mais forte que o outro.
Entrei no avião com a cabeça a mil, muitos planos e curiosidades sobre o lugar para onde eu estava indo. Foi aí que comecei a tremer na base de verdade. A tripulação toda falava apenas inglês, fiquei esperando o momento em que iam pedir para colocar o cinto em português, mas não rolou. Então vi o cara do meu lado colocando e acompanhei. Na hora do jantar dentro do avião a única coisa que eu consegui entender quando o comissário de bordo falou foi “pasta”, como não entendi nem de longe o que era a segunda opção fui de pasta mesmo e até que estava boa.
Chegando em Dublin, entreguei todos os papeis para a oficial da imigração e só falei “Sorry I don’t speak English”. Ela olhou tudo tentou fazer duas ou três perguntas, percebeu que não ia rolar uma resposta e então me liberou. Meu transfer atrasou um pouco, mas foi compensador porque ele era o dono da casa onde eu ficaria hospedado nas próximas quatro semanas. Também tive muita sorte com a família, eles foram atenciosos e gentis comigo, não tive restrições de tempo no banho, podia preparar minha comida no horário do almoço e lavar as minhas roupas. Eles sempre faziam o jantar com muito carinho e, como era residência irlandesa, quase todos os dias rolava batata, mas o cardápio sempre era variado.
Mas a sorte maior ainda estava por vir. Consegui arrumar um flat que deu certinho com a data que eu tinha de acomodação. Saindo de uma já fui direto para a outra. Essa é sempre a pior parte quando chegamos aqui, arrumar um lugar fixo para morar, mas eu realmente tive sorte, ganhei a vaga da casa jogando truco, conquistei os moradores ganhando o jogo no dia da entrevista. Depois disso eles viraram minha família nos dois anos em que morei em Dublin. Sempre morei no mesmo Flat, um lugar abençoado, no qual todas as pessoas que passaram por aqui só saíram para voltar para o Brasil, prova disso é que formamos uma grande família.
Embora no começo tenha sido muito divertido com festas, baladas, piquenique nos parques e passeios inesquecíveis pelo país, no fundo eu sentia uma saudade imensa da minha família. Um dos piores momentos da saudade – e quando eu percebi o verdadeiro sentido dessa palavra – foi no meu primeiro dia das mães longe da minha mãezinha. Em 32 anos, eu nunca tinha passado um dia das mães longe dela. Como sou uma pessoa que ama cozinhar e que ama mais ainda quando as pessoas gostam da minha comida, troquei as lágrimas por um grande almoço com meus mates, para apaziguarmos juntos a fossa de não poder dar aquele abraço na mãezona.
Em novembro do mesmo ano em que eu cheguei, minha irmã decidiu fazer uma viagem pela Europa. Isso me deixou muito feliz e o melhor de tudo era que nós iriamos nos encontrar em Londres. Estava me preparando para a minha primeira viagem para fora da Irlanda. Desde que tinha desembarcado aqui, ainda não tinha voltado ao aeroporto. A viagem foi incrível, encontrar com a minha irmã, matar a saudade e encher ela de beijos e, de quebra, fazer uma linda viagem em sua companhia. Nesse momento eu senti que recuperei as energias e estava pronta para continuar mais um ano por aqui. Assim, renovei meu visto de estudante.
Particularmente, sou uma pessoa forte. Nunca fui muito de ficar chorando, saudade nunca foi um sentimento muito presente na minha vida, mas quando existe um oceano de distância entre quem amamos, parece que nossos sentimentos são multiplicados e a saudade aumenta muito.
Um dos grandes problemas que enfrentamos no intercambio – e quando decidimos ficar fora por muito tempo – é o dizer tchau para os amigos feitos pelo caminho, que encerraram os seus intercâmbios. É muito estranho, pois vivemos momentos maravilhosos com essas pessoas, passamos horas do nosso dia com nossos flatmates, viajamos, curtimos as festas e aí chega um certo dia que você tem que dizer tchau a eles também. Já estamos sensíveis com a saudade dos familiares e agora teremos de sentir a falta de um amigo, pois sabemos que no Brasil será diferente, ou porque teremos uma nova rotina de vida, ou porque esse amigo mora em uma cidade distante, de um estado mais longe ainda. Realmente, é muito difícil de entender isso, a nossa vida em Dublin muitas vezes é passageira. Para mim, às vezes parecia um sonho que não queria acordar.
Certo dia eu recebi uma notícia que balançou as minhas estruturas: minha irmã estava grávida. “Como assim?”, pensei. Seria o meu primeiro sobrinho e eu fiquei muito emocionada com essa notícia, o meu desejo era de abraçá-la e enchê-la de beijos, mas sairia um pouco caro pegar uma ponte aérea Dublin – São Paulo.
A partir desse momento, comecei a repensar toda a minha vida. Tudo o que estava vivendo aqui era muito bom, não tinha do que reclamar, mas começou a passar alguns sentimentos em minha mente, percebi que estava perdendo momentos especiais com a minha família e amigos. Eram datas e momentos únicos, que só quem está longe das pessoas que ama sabe o quanto essas datas acabam sendo difíceis de suportar.
Com a notícia da gravidez da minha irmã, meu coração não sossegou mais. Pensei em fazer uma viagem para o Brasil e retornar – ao menos iria ver a minha irmã grávida, mas isso não foi o suficiente. Como eu iria sair daqui, visitar minha irmã e voltar? Meu coração tentava aceitar, mas eu não conseguia. A todo momento eu pensava na minha mãe, eu queria muito estar com ela, que estava se tornando avó pela primeira vez. Por várias vezes eu chorei de saudade, de vontade de estar com elas, até que na noite de natal, quando eu abri o Skype para que pudéssemos conversar e ela mostrou o barrigão dizendo “O Theo está crescendo”, eu percebi que era mesmo a hora de voltar.
Após a decisão tomada, muita gente disse que eu estava fazendo a coisa errada e ao contrário. Enquanto muitos estão querendo sair do Brasil, dizendo que o país está quebrado, que está em crise e que eu não deveria fazer isso, só quem está há muito tempo longe de casa e da família poderia entender a minha decisão. É simples dizer pra não voltar e que a saudade a gente supera, mas é mais difícil estar do outro lado e viver isso sozinha.
Por mais feliz que eu estivesse, algo me faltava. Faltava a minha família, a benção do meu pai, o cafuné da minha mãe, o abraço da minha irmã e o carinho dos meus amigos e familiares. Agora com a família aumentando, eu gostaria muito de estar presente nesse momento. São momentos únicos, que uma distância jamais recompensaria. Eu não queria ser a tia virtual, eu queria estar presente e ser presente agora.
O intercâmbio, por melhor que seja, tem o seu início, meio e fim, e eu estava preparada e consciente com a minha decisão. Chegou o fim do meu intercâmbio, hora de voltar para casa, de voltar para minha família. Hora de recomeçar a vida no Brasil, mais disposta, com novas experiências, um novo idioma e muita coisa para contar. Minha família estará sempre em primeiro lugar na minha vida. Não importa onde eu estiver, sempre voltarei para estar com eles, afinal de contas, já passou da hora de matar a minha saudade.
A série Meu Intercâmbio conta com a colaboração do repórter Fabiano Araújo e tem o objetivo de dar oportunidade a estudantes que estão vivendo a experiência de intercâmbio na Irlanda, de contar suas histórias, alegrias e perrengues como intercambistas. Se você também quer compartilhar como tem sido a sua nova vida desse lado do globo, basta entrar em contato com: jornalismo@edublin.com.br
Revisado por Tarcísio Junior
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