Imagina só: você vem para a Irlanda fazer intercâmbio, tirar um ano sabático para melhorar o inglês e curtir uma nova experiência e, de repente, torna-se ator em uma das novelas mais tradicionais e populares da Ilha.
Foi essa trajetória que ocorreu com o brasileiro Rodrigo Ternevoy, que vive há mais de 12 anos em terras irlandesas e hoje interpreta um dos personagens de destaque na Fair City, a novela mais tradicional no canal RTÉ. E mais, o personagem é icônico e fez história na televisão irlandesa por ser gay e mostrar abertamente uma relação homossexual em horário nobre.
Em entrevista ao E-Dublin, Rodrigo Ternevoy conta como um estudante de idiomas se tornou cidadão irlandês e uma estrela de TV.
Você veio para a Irlanda tirar um ano sabático para estudar inglês. A intenção era apenas um intercâmbio? Por que acabou ficando?
Eu trabalhava há uns cinco anos na área financeira de um banco americano em São Paulo quando decidi tirar um ano de licença não-remunerada para estudar inglês fora do Brasil. Cheguei à Irlanda em março de 2008, quando eu tinha acabado de completar 24 anos. Meu inglês era muito básico, mas depois de três meses por aqui conheci o meu marido David. Ele é irlandês e estamos juntos há mais de 10 anos.
Eu não pretendia ficar tanto tempo assim na Irlanda, pois tinha meu trabalho esperando no Brasil, mas o amor falou mais alto, e eu não me arrependo nem um pouco dessa decisão tomada lá atrás. Eu absolutamente amo a Irlanda, um país que me acolheu desde o primeiro dia. Aliás, em 2016 eu me tornei cidadão Irlandês e tenho muito orgulho disso. O meu Brasil nunca sairá do coração, eu amo o meu país e isso nunca vai mudar. Faço o possível para visitar a família e os amigos uma ou duas vezes por ano.
Como surgiu o interesse pela atuação e o convite para participar da novela?
Eu sempre quis me tornar ator. Desde pequeno, eu me imaginava fazendo filmes e novelas, mas, infelizmente, eu vim de uma família pobre, e atuação não era uma opção segura. Então, eu fiz Administração de Empresas em uma universidade de São Caetano do Sul, cidade onde eu nasci.
Dois anos depois de chegar à Irlanda, decidi fazer uma pós-graduação em Contabilidade Internacional na DIT e, ao terminar, fui contratado por uma grande empresa na área de auditoria, onde trabalhei por alguns anos. Ao completar 29 anos, eu decidi largar tudo para seguir o meu sonho: atuar. Fiz vários cursos, conversei com pessoas na área, trabalhei como figurante, inclusive na novela em que estou trabalhando hoje em dia. Me joguei de cabeça e entreguei tudo nas mãos do Universo. Aos 29 anos, a pressão é muito maior, não há margem para o erro, ou é tudo ou nada.
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E a chegada à TV, como aconteceu?
Fiz um teste para o curso full-time da Bow Street Academy, uma renomada escola focada em atuação para TV e cinema na Irlanda. Escola essa criada por um grupo de pessoas da indústria de TV e do cinema. Inclusive o diretor, Jim Sheridan, foi nomeado seis vezes ao Oscar.
Eu me formei em 2015 e, no final do curso, temos um show-case, no qual toda a indústria de TV e cinema é convidada. De lá surgiram ofertas de alguns agentes Irlandeses para me representar no país, fechei com um deles e iniciei, então, o doloroso caminho dos testes e self-tapes.
O teste para a novela Fair City do canal RTÉ One surgiu alguns meses depois de eu ter me casado em 2016. A princípio, eu achei que o papel seria curto, por volta de três semanas, mas já estou lá há 3 anos e tive o meu contrato renovado.
O seu personagem foi crescendo com o tempo. Conte um pouquinho da história dele dentro da trama. Como isso aconteceu?
Na novela Fair City, eu vivo o Cristiano San Martin, um rapaz chileno e gay, que chegou em Carrigstown, vila fictícia em Dublin, em busca do irmão. Lá, ele o encontra, faz diversos amigos e decide abrir um café, o Brewzers, com o dinheiro de uma herança deixada por Leandro, o seu marido que faleceu alguns anos antes.
Aparentemente, o público gostou bastante do Cristiano, ou do Cris, como muitos preferem chamar. O meu personagem foi crescendo aos poucos e, hoje em dia, sinto que tenho um papel central na novela, o que me deixa extremamente feliz. É bom ter o reconhecimento do público e também do cana RTÉ.
Depois de mais ou menos 1 ano e meio de novela, o Will, personagem interpretado pelo ator John Cronin, surgiu na novela e foi amor à primeira vista para o Cristiano. Muitas coisas aconteceram na vida desses dois personagens e, no momento, ambos estão passando por uma provação forte na trama.
Cena dos personagens Cris (Rodrigo) e Will (John Cronin) em Fair City:
Há pouco tempo, o seu personagem ganhou um destaque grande ao ter um capítulo voltado a uma briga feia entre Cristiano, interpretado por você, e o Will (John Cronin). O que isso representou dentro da trama? Qual foi a importância desse destaque para a TV Irlandesa?
Eu já participei de diversas histórias na novela desde que iniciei no canal, em 2016, mas esta última trama, sem dúvida, vem sendo a mais desafiadora de todas. Tamanha foi a importância que os produtores e escritores decidiram dedicar um episódio inteiro somente à história do Cristiano e do Will, história essa sobre violência doméstica em uma relação homoafetiva, algo pioneiro na Irlanda.
Aliás, a Fair City está acostumada a quebrar tabus. Por exemplo, o primeiro beijo gay da Irlanda foi ao ar na novela, em 1996. A audiência da novela está respondendo superbem a essa história em particular, muitos não veem tal violência como sendo específica de uma relação LGBT+, mas, sim, violência doméstica entre um casal qualquer.
Tenho recebido muitas mensagens de fãs da novela que passaram ou ainda passam por situações semelhantes. Fico muito triste em saber que essa situação, infelizmente, ainda é realidade para muitos. Essa é a primeira vez que faço um papel com tamanha responsabilidade social, mas fico muito feliz em poder colaborar de alguma forma. Inclusive vou falar um pouco sobre essa jornada no evento ’16 Days of Activism Against Domestic Violence’ na cidade de Carlow, agora no final de novembro.
Qual a diferença entre uma novela irlandesa e uma brasileira?
Bom, a primeira diferença grande é que as novelas brasileiras duram apenas alguns meses, enquanto as novelas europeias, em sua maioria, estão no ar há mais de 20 anos, por exemplo, as novelas inglesas Coronation Street e Emerdale. A Fair City está no ar há 30 anos.
Fair City é uma novela cotidiana, com tramas até parecidas com as brasileiras, na maioria das vezes, mas, no Brasil, a imagem/produção é mais sofisticada, existem muitas externas, os personagens viajam, moram em mansões, etc. Enquanto aqui tudo parece mais simples, as tramas focam pura e simplesmente nos personagens e na vila ao redor deles.
Quase não há gravações externas por conta de custo, já que o canal RTÉ, mesmo sendo o maior canal da Irlanda, não pode ser comparado a uma Rede Globo, por exemplo. A Irlanda tem 4,8 milhões de habitantes, enquanto o Brasil tem 209 milhões, uma diferença gigantesca que se reflete nos orçamentos das produções.
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Como é a sua relação com o público irlandês? Existe essa febre de novelas, igual ao Brasil, ou é mais tranquilo?
A minha relação com o público irlandês é muito bacana. O Cristiano tem um coração de ouro, é um cara do bem que caiu na graça dos irlandeses desde o início. Hoje em dia, me param na rua para bater papo, saber da novela, dar opinião sobre algo de que gostam ou que, de repente, não estão curtindo (os irlandeses são sinceros, risos). A Fair City é o programa mais visto na Irlanda, então, tem sim, uma certa febre, mas isso é muito maior no interior do país, onde o público é mais cativo.
Você já disse que tem interesse em trabalhar como ator no Brasil também. Quais são seus planos na área?
Sim, eu tenho muita vontade de atuar no Brasil, na minha terra. Seria legal fazer um projeto por lá — atuar em português seria um sonho, e tenho deixado as portas abertas. Como eu estou muito ocupado com a novela no momento, eu não estou tentando nada específico, mas tenho uma agente que me representa no Brasil e, se algo bacana aparecer para o meu perfil, faria sim, sem dúvida alguma.
Em 2017, fui pro Rio, tirei o meu DRT de ator e até dei um pulo na Rede Globo para conhecer a galera, foi bem bacana. A porta está aberta. Então, é só deixar nas mãos do Universo.
(publicado originalmente em novembro de 2019)
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