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Saí do Brasil! E minha carreira, como fica?

Tudo começou com o ‘caso ou compro uma bicicleta’? Sair do país já havia passado pela minha cabeça algumas vezes, já tinha visitado duas ou três agências de intercâmbio e guardado pilhas de orçamentos e livretos esquecidos dentro de uma gaveta.

De repente, a necessidade de mudança surgiu – sabe aquele momento em que você pensa que está na hora de dar mais um passo? – e comecei a avaliar a possibilidade de comprar um apartamento em São Paulo, onde nasci e sempre morei. Visitas a modelos decorados, algumas imobiliárias e mais uma pilha de panfletos e fluxos de financiamento foi parar no fundo da gaveta.

Sair do Brasil é sempre uma decisão de muitas renúncias, e a carreira pode ser uma delas. © Muladhara | Dreamstime.com

Meses se passaram e meu namorado, com quem eu já morava há um tempo, recebeu a notícia de que a empresa em que ele trabalhava havia decidido encerrar as operações no Brasil – a crise estava começando. Eu tinha mudado de emprego há menos de cinco meses e estava em uma situação financeira confortável, mas não estava feliz. Eu queria mais do que ficar dentro do meu carro quase quatro horas todos os dias, ter uma rotina de trabalhar até muito tarde e nunca ter tempo para mim.

Quando ele me contou a novidade, logo surgiu a pergunta: “o que faremos agora?”. Não sei ao certo de onde surgiu a ideia, mas a decisão foi rápida e precisa: vamos mudar de país! A pesquisa foi super rápida, pois já tínhamos aquele background na cabeça – as pilhas de livretos que havíamos passado o olho e guardado na gaveta estavam de alguma forma também armazenadas em nós. Todos os países nos quais estudantes não podem trabalhar foram descartados de primeira. Austrália e Irlanda foram os finalistas. Austrália é muito longe e sempre tivemos muita vontade de viajar pela europa. Num piscar de olhos a decisão estava tomada, em um mês o contrato assinado com a agência e em quatro meses estávamos desembarcando na nossa querida ilha gélida.

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O começo foi curtição, clima de férias, explorando novos lugares, viagens de Dart, pés encharcados, nós nos cabelos, quilos de Nutella e uma luta incansável para encontrar uma casa. As aulas de inglês começaram e junto com elas a procura por um emprego. Lá fui eu, com meu CV lotado de experiência em sentar em uma cadeira na frente de um computador, bater de porta em porta em todos os hotéis da cidade na esperança de conseguir algumas camas para arrumar ou, com alguma sorte, uma vaguinha na recepção.

Fiz um mapa incluindo cada um dos hotéis do meu bairro até o centro da cidade e entreguei currículos em absolutamente todos. Participei de open days em mais alguns e fui chamada para simplesmente NENHUMA entrevista.

Três meses haviam se passado e a tristeza começou a bater. Eu ainda frequentava a escola quatro horas por dia, mas um vazio enorme e uma sensação de inutilidade foi me dominando. Comecei a dormir demais e entregar cada vez menos currículos por aí.

Um dia, de repente, surgiu uma mensagem no meu LinkedIn, que eu tinha alterado para ‘em busca de oportunidades em Dublin’ pouco depois de chegar por aqui. Uma recrutadora de uma consultoria estava interessada no meu perfil e me convidou para uma entrevista na mesma semana. Bem desacreditada, e morrendo de medo de não conseguir falar inglês com ela, fui.

Trabalhei no Brasil por muitos anos em consultoria de auditoria e estava decidida de que não queria mais ser consultora. Toda a pressão do negócio, a vida sem rotina, as longas horas de trabalho já não eram mais para mim. Eu havia me mudado para ter um estilo de vida diferente e minha decisão estava tomada em relação a viver com mais equilíbrio e qualidade de vida.

Tremi, gaguejei, respondi a quase todas as perguntas e ela, ao final, concluiu “Você deveria considerar voltar pra consultoria, nenhuma outra empresa vai estar aberta a te dar um visto de trabalho. Com consultoria você vai conseguir rapidinho”.

Esse desfecho foi um balde de água fria para mim, que estava decidida de que nunca mais seria consultora, mas ao mesmo tempo me abriu os olhos para lembrar que minha experiência de ficar sentada na frente de um computador era muito válida e que eu não era obrigada a apenas procurar empregos em restaurantes e hotéis porque era estrangeira. Eu tinha uma carreira, eu tinha experiência, eu tinha a obrigação de acreditar em mim.

Foi então que decidi começar a me candidatar a vagas em empresas. Dei uma polida no meu perfil no LinkedIn, me cadastrei em mais alguns sites de emprego e comecei a aplicar para absolutamente todas as vagas relacionadas à minha área de atuação.

Os telefonemas começaram a acontecer e, invariavelmente, a pergunta “qual é seu tipo visto?” chegava. Em todas elas, após eu dizer que era estudante, havia uma pausa dramática e o recrutador emendava um despretensioso “então tá bom, vamos manter contato”, ou então era direto e dizia “o dia que você tiver uma permissão para trabalhar, entre em contato”. Foram incontáveis nãos, foram incontáveis “I am sorry”, foram incontáveis pensamentos em desistir. Até que um dia a resposta foi “Não sei direito como esse negócio de visto funciona, mas podemos avaliar”. Se eles não sabiam, eu tinha que saber.
Comecei a ler o site do Department of Jobs de cabo a rabo, entendi todas as possibilidades, estudei o meu caso especificamente e quando fui pra a segunda entrevista na empresa, expliquei tudo que deveria ser feito, o custo, os prazos e, finalmente, consegui meu primeiro emprego em Dublin. Fiz todo o processo de visto eu mesma, em conjunto com o RH da empresa.

Após um ano trabalhando na empresa fui promovida, o que me levou de volta ao mesmo patamar profissional que estava quando deixei o Brasil, e hoje estou mudando de emprego e nessa nova transição, o visto de trabalho nem foi uma questão para a empresa.
Toda a montanha russa que vivi desde que tomei a decisão de mudar para a Irlanda me tornou uma pessoa muito melhor, transformou minha visão de mundo, me permitiu encontrar o equilíbrio que eu tanto sonhei entre profissional e pessoal e, o mais importante, me fez aprender a acreditar em mim, não me deixar influenciar por opiniões que as pessoas tem sobre mim ou sobre os caminhos que devo seguir e me fez mais persistente do que nunca. Me fez acreditar em uma frase que um dia ouvi e nunca esqueci: “O impossível é apenas o nome que algumas pessoas dão ao esforço que não estão dispostas a fazer”.

Sobre a autora:
Administradora e contadora por formação e escritora de contos por paixão. Fernanda Camargo é uma paulistana incurável que vive uma vida tranquila em Dublin há quase três anos, mas sempre que pode dá uma escapadinha para curtir o caos das cidades grandes.
Dona de uma mente inquieta, sonha em fazer sua parte no mundo transformando-o por meio da leitura.

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