Saiba como é trabalhar em creche na Irlanda

A área de educação infantil na Irlanda é muito promissora. Entretanto, muitos brasileiros a desconhecem. É por isso que conversamos com a professora e psicóloga especialista em desenvolvimento infantil, Lidiane da Silva. Na Irlanda há 11 meses, ela trabalha em creche desde outubro de 2018 e conta como é atuar nessa área em Dublin.

Lidiane trabalha com educação infantil em Dublin. Foto: arquivo pessoal

Lidiane conta que, ao desembarcar na Irlanda, ela tinha como um dos objetivos realizar trabalhos voluntários com crianças ou trabalhar em algum programa que ensinasse a Língua Portuguesa e a cultura brasileira. Porém, não conseguiu nada nessa área de voluntariado, e trabalhou como professora substituta por alguns sábados em um projeto chamado Associação de Famílias Brasileiras na Irlanda (AMBI), que ensina a Língua Portuguesa e nossa cultura.

A busca pelo emprego

“Eu seguia uma página no Instagram, chamada Get Jobs. Ao ver uma vaga em creche, resolvi enviar meu currículo. Mesmo estudando inglês no nível elementary na época, pensei que não custava tentar”, conta Lidiane.

Ela foi chamada para a entrevista no dia seguinte. “Durante a entrevista, a gerente fez duas ou três perguntas sobre minha experiência com crianças,  perguntou quanto tempo eu pretendia ficar na Irlanda e se tinha algo que seria difícil para mim. Na hora, eu respondi que, como ela podia perceber, o meu inglês não era bom, que eu estava aqui para estudar a língua. Então ela disse: se for só isso, tudo bem”.

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A gerente solicitou a tradução juramentada do diploma de Lidiane. “A tradução chegou à minha casa após cinco dias. Quando avisei a gerente que tinha o documento em mãos, ela me pediu para comparecer na creche na segunda-feira seguinte. Apresentei meu diploma e, no mesmo dia, comecei a trabalhar. Curiosamente, era dia 15 de outubro, dia dos professores no Brasil”.

Rotina de trabalho

Por ser estudante de inglês, Lidiane trabalha meio período, de segunda à sexta, no período da tarde. Entretanto, durante as férias ela trabalha período integral.

Ela conta que trabalha com crianças do After School, ou seja, que vão para a creche após saírem da escola.

Crianças têm rotina de atividades na creche. Foto: Oksun70 | Dreamstime

“Eu entro na creche às 13h e, até as 13h30, eu substituo as professoras na hora do almoço e ajudo, geralmente, as turmas de Montessori e toddlers (crianças entre 0 e 36 meses) na hora do sono. Em seguida, eu busco 3 crianças em uma escola próxima à creche, e temos o horário de almoço das crianças do After School. Esse grupo apresenta diferentes idades e diversos horários de chegada, pois as escolas, aqui, têm horários diferenciados para encerrar a aula por faixa etária”.

“As crianças terminam o almoço, fazem o trabalho de casa e eles têm uma hora de brincadeiras livres no pátio. Eu procuro sempre participar com eles desse momento, jogando bola, brincando de faz de contas, brincadeiras cantadas, o que eles escolhem fazer. Após a brincadeira livre, fazemos uma atividade dirigida que pode ser: artes, experiências científicas, danças e música, culinária, quiz, competições, leitura etc., e, uma vez por mês, assistimos a um filme.

Diferenças com o Brasil

Com sólida experiência no Brasil, trabalhando na área da primeira infância por 16 anos, Lidiane confessa que fica frustrada com algumas coisas que presencia na Irlanda e surpresa com outras. “Ao mesmo tempo, fico muito feliz em perceber que o Brasil tem muitos aspectos positivos na forma de pensar sobre a primeira infância”, destaca.

Um dos fatores que mais chamam a sua atenção na Irlanda está o fato de não existirem diferenças gritantes entre uma creche pública e a particular, já que o governo investe financeiramente em ambas.

“Percebo que, aqui, as crianças e famílias têm um respeito muito grande pela diversidade cultural e vejo muitos projetos ensinando ao longo do ano sobre isso para as crianças. Os pais são bem presentes na educação dos filhos. Na creche onde trabalho, eu conheço a maioria, pois são eles que trazem, buscam e participam das atividades na unidade”, conta.

Lidiane destaca diferenças entre educação infantil irlandesa e brasileira. Foto: Acervo Pessoal

Ela destaca também que não existe preconceito em relação a homens trabalhando nas creches e pré-escolas irlandesas. “Geralmente, eles ficam com as crianças maiores do grupo de Montessori, mas, se for preciso em outras salas, eles também atuam, o que é algo muito mais difícil de se encontrar no Brasil”.

Outro detalhe é que a promoção da autonomia é constante. As crianças maiores recebem oportunidades para ajudar na organização da sala de aula, desde a limpeza até a arrumação dos brinquedos.

“Acredito que, aqui, pelo que vejo e pelo que conversei com outras professoras que conheci, ainda se tem muito o pensamento da creche como um lugar de cuidado somente, e esquecem que as crianças precisam de estímulos e interações que auxiliem na promoção do desenvolvimento delas de maneira integral. Então, muitas vezes, vemos crianças vagando pela sala ou esperando por períodos longos entre uma atividade e outra da rotina, atividades feitas pelo professor e não pelas crianças, atividades que não estão de acordo com a faixa etária. Às vezes, as crianças passam muitas horas em um mesmo espaço sentadas em cadeiras”, afirma.

Aprendizado do inglês

Para Lidiane, as crianças são os melhores professores de inglês.  Ela salienta que as crianças aqui estão muito acostumadas a conviverem com pessoas de diferentes nacionalidades, e isso faz com que elas, automaticamente, percebam que você precisa de ajuda para falar e entender algumas coisas.

“Quando eu iniciei, eu não conseguia falar uma frase inteira. O inglês sempre foi uma língua muito difícil para eu aprender, mas as crianças me ensinaram muito. Agora, trabalhando com os maiores, isso fica ainda melhor, pois eles corrigem, até mesmo, a minha pronúncia”, destaca.

Para quem quer atuar na área

“Independentemente do seu nível de inglês ou dos seus medos por estar em uma cultura diferente, se você gosta do trabalho com crianças e educação, pode ser lançar sem medo, pois, apesar de todos os problemas, temos uma boa formação em nosso país para isso”, aconselha Lidiane.

Lidiane aconselha profissionais brasileiros a atuarem na área na Irlanda. Foto: Oksun70 | Dreamstime

Ela salienta que a primeira coisa que você deve fazer é traduzir todos os seus certificados e documentos que comprovem que você é apto para trabalhar com crianças. Outro conselho importante é iniciar o processo de validação do diploma, antes mesmo de chegar à Irlanda.

Na hora de procurar vagas de trabalho, ela comenta que vale checar o portal Indeed. “Envie o seu currículo para todas. Mesmo sem ter recebido a sua equivalência, você pode começar a trabalhar em muitas delas. Aqui, a necessidade de professores é grande. Se você não tiver nenhuma formação, procure cursos que são oferecidos aqui na Irlanda. Existem vários, com diferentes níveis do FETAC e com preços acessíveis. Então, se você realmente gosta de trabalhar com criança e educação, pense em como a experiência será enriquecedora para todos, em tudo que você pode aprender e ensinar ao mesmo tempo”, ressalta Lidiane.

Elizabeth Gonçalves

Jornalista viciada em cinema, música e literatura. Paulistana, se apaixonou por Dublin, onde mora há cinco anos e sonha em fazer uma viagem de volta ao mundo.

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