Em nossos encontros mensais, o Sarau Maré apresenta um poeta ou uma poeta especial do mês, para divulgar os trabalhos que eles vêm criando pelo caminho. Na nossa terceira edição, o poeta apresentado foi Carlinhos Cruz.
Carlinhos Cruz, cantor, compositor e intérprete, começou a tocar aos 10 anos, retomando os sons e ritmos da movimentada cidade de São Paulo, Brasil, de onde ele é. Cruz está sediado na Europa há 6 anos e lançou seu EP de estreia ‘Do Outro Lado’ em Dublin, Irlanda, em 2015.
Elogiado por sua sincera reflexão da experiência dos imigrantes, o EP foi lançado em Portugal, França, Espanha, Reino Unido, Irlanda. e Brasil. Influenciada pela diversidade e texturas da música brasileira contemporânea, sua música é uma fusão do folk tradicional brasileiro e de melodias assustadoras que falam da vivacidade e da complexidade da vida contemporânea. O próximo álbum de Cruz deve ser lançado em breve e deve conter faixas em inglês, espanhol e português.
Esse álbum verá a música de Cruz evoluir para uma fusão de funk / soul / jazz latino combinada com uma mistura diversificada de letras em vários idiomas gravadas por sua eclética banda internacional. Os críticos comentaram a capacidade de Cruz de manter seu estilo brasileiro por excelência, fundindo uma mistura de MPB, Forró e Samba com ritmos e letras modernos e mundiais. Ouça o álbum “Do outro lado”.
Tomo a liberdade de denominá-lo poeta, sim. Afinal, suas composições são poesias para os nossos ouvidos. Permito-me acreditar que o músico é um poeta ao quadrado, um poeta capaz de nos fazer decorar um poema e repeti-lo incansavelmente.
Foi em busca dessa simplicidade que fui ao seu encontro, e, com fina simplicidade, ele me concedeu uma entrevista.
ML: Quando começou seu interesse pela música, e como foi esse processo?
CC: Meu primeiro contato com a música foi dentro de casa. Meu pai é músico, ele toca acordeão. Com 12 anos, um inquilino foi morar na casa dos meus pais e me ensinou a tocar violão. Comecei, então, a tocar na igreja até meus 15 anos. Depois da igreja, eu descobri o forró, por meio da banda Falamansa, que foi uma das minhas referências do forró universitário. Em seguida, criei uma banda de forró e fui aprimorando o conhecimento no estilo, indo entre Forró Sacana e Luiz Gonzaga. Aos 18 anos, conheci a música do Djavan, e muita coisa mudou. Virei o fã número 1 dele, saí da banda e comecei a fazer voz e violão. Depois, entrei na faculdade aos 22 anos, estudei Publicidade e Propaganda, e na faculdade tinham as festas e festivais. Então, estava sempre tocando durante todo o período do curso. No último ano, estava vivendo de música em tempo integral, no auge da carreira que um músico da noite pode desejar.
ML: Logo nessa fase da sua carreira você deixou o Brasil. Como foi essa decisão e por que você escolheu vir para Dublin?
CC: Quando eu acabei a faculdade, meu desejo era ter ido para Londres, mas meu visto foi negado três vezes, A opção de vir para Dublin foi acidental, e cheguei em 2011.
ML: E como foi a adaptação e receptividade de Dublin para você e sua carreira?
CC: Vendi o carro para vir, vim com pouco dinheiro no bolso e cheguei como estudante, sem falar nada de inglês. Tive o percurso normal de qualquer intercambista, mas fiquei bem deslumbrado! Já no início consegui chegar com minha música, toquei no Sweeney’s e também na Embaixada no dia 7 de setembro. Logo montei minha noite no International Bar no Brazilian Experience, onde toquei por 2 anos e meio aos domingos.
Fiz bastante coisa, fui convidado para um programa de rádio de brasileiros, chamado “Samba Boys”; participei de um programa de TV chamado “O mundo segundo os brasileiros” e também de um vídeo do E-Dublin.
Toquei em festival no sul da França; abri o show da Vanessa da Mata e Gabriel, o Pensador e gravei meu primeiro EP “Do outro lado”, que lancei no The Sugar Club.
Se eu tivesse me conhecido antes de vir, eu seria meu maior fã. Diria: quero seguir esse cara! (risos)
O lançamento do meu disco foi no dia 13 de abril de 2014. No dia seguinte, fui embora para o Brasil, fechando esse ciclo de três anos.
ML: No momento em que sua carreira novamente ia bem, você retorna ao Brasil e, no ano seguinte, você se vê partindo do Brasil pela segunda vez. Como foi no Brasil e no seu retorno a Dublin? Sentiu diferença comparado à primeira vez?
CC: Meu retorno ao Brasil foi como uma segunda chance. Achei que daquela vez ia rolar, e rolou! Fiz o lançamento do meu disco lá, tinha produtor, toquei na Bahia, no Rio, toquei com a Aline Frazão, fui em um programa da TV Record. Fiz muita coisa que sempre tive o sonho de fazer, mas durou seis meses de euforia e acabou o dinheiro. Também tem o lance do disco “Do outro lado”. Eu percebi que as músicas desse álbum faziam mais sentido para quem esteve ou está do lado de cá. Quem não esteve desse lado não vai entender do que estou falando. (risos)
Quanto ao meu retorno a Dublin, no ano de 2015, não fiz muita coisa de produção; além de compor e tocar esporadicamente. Toquei em Barcelona, em Portugal, em Hong Kong, que foi o show mais exótico que já fiz. Tive participação como músico convidado no livro “New to the Parish”, escrito pela jornalista Sorcha Pollak, do Irish Times. A partir desse livro, participei de um painel de discussão e toquei no Electric Picnic.
A participação no livro me abriu algumas portas. Fatalmente represento o Brasil, o que me faz feliz, mas o convite a priori era o fato de ser um artista estrangeiro na Irlanda, de ser o Carlos Cruz. E isso acaba fechando portas, por exemplo, se tiver um festival de forró ou de samba, ou outros eventos da comunidade brasileira, as folclóricas ou de capoeira. Eu já não me enquadro neles.
Então, em Dublin mesmo, não quis voltar a tocar nos mesmos lugares de antes. Senti que precisava produzir um novo disco e criar um novo ciclo.
ML: Já sentiu alguma discriminação na Europa por ser músico brasileiro e cantar em português?
CC: Acho que essa pergunta tem certa relação com a pergunta anterior também, sobre ter presenciado dois momentos na Irlanda. O perfil dos brasileiros mudou. Antes, a comunidade era menor. Não tem lado ruim ou bom nisso, mas acho que a galera tá vindo atrás de um sonho e estão sofrendo mais do que antes, e isso acaba acarretando outros problemas.
A cidade está passando por um problema de acomodação (não só com brasileiro), mas daí começa a criar estereótipos, e já não somos mais novidade, o que se reflete na música. Acho lindo o fato de estarmos montando uma comunidade, mas não quero que o fato de eu ser brasileiro seja o carro-chefe da minha carreira. Embora eu cante em português quase 98% das vezes e a brasilidade esteja estampada em mim naturalmente, meu foco como artista é ser um músico. Um músico que é de São Paulo, do Brasil, sem precisar levantar a bandeira à frente da música. Quem faz isso com excelência é o Rodrigo Amarante, por exemplo, um cara brasileiríssimo e plain. Tive o prazer de conhecê-lo aqui, fomos dar um rolê, tomar uma pint, o cara é um gentleman!
ML: Entre os artistas internacionais, e irlandeses em especial, quais você tem como referência?
CC: Gosto de bastante artista irlandês! Gosto do Glen Hansard, Damien Rice, Lisa Hannigan, o Hozier. Gosto de tudo que é irlandês, tudo que for da Irlanda, seja música, seja livro, filme, o que for eu já gosto!
ML: Das suas músicas, qual você mais gosta?
CC: “Quem vai”. Eu a fiz para as pessoas que sempre contactam a gente pelas redes sociais prometendo te visitar e falam que vêm em agosto, mas em agosto de 2021. E então eu falo sobre a coragem de sair fora. Outra música é “Desses que a vida dá”. Fiz essa quando decidi ficar aqui no terceiro ano.
ML: Como é seu processo de criação?
CC: Infelizmente não tenho essa divindade da qual tanto escuto falar, que Lenine tem, por exemplo.
No meu caso de composição de letras, há um tema por trás, mas é um trabalho consciente, é sentar e tentar rimar palavra por palavra. Sem querer o tema vem, sobre as coisas que acontecem ao meu redor, mas a inspiração só vem se você está com o papel e caneta ali na sua frente.
Geralmente, vêm o arranjo e a letra juntos.
ML: Há uma mensagem nas suas letras?
CC: Eu escolho sobre o que falar, e o sentido sempre vem primeiro. Então, elas sempre passarão uma mensagem, mesmo que nem sempre estejam claras, mas, eu, sim, sei exatamente sobre o que elas falam.
O Paulinho Moska, por exemplo, é um cara foda nisso, consciente do que está falando, inspiração no nível certo, com as letras simples, que atingem as pessoas profundamente.
ML: Do que você tem mais saudade do Brasil?
CC: Dos meus amigos.
ML: E do que você não tem saudade?
CC: Da violência, do caos que eu nunca tinha percebido que aquilo era. Acho mancada São Paulo fazer isso com a gente.
ML: O que esperar do seu próximo álbum?
CC: Será uma nova fase. Quero tentar uma coisa nova, atingir novos lugares. Vou focar no artista brasileiro, em ser um músico brasileiro e não um brasileiro que é músico. É como se eu guardasse o Carlinhos Cruz com carinho e amor com o que ele foi no tempo dele.
As novas músicas serão um fusion: tem samba, tem acordeon, tem música em português, em inglês, tem o que sou hoje. De fato, eu não sou mais o brasileiro que eu fui lá atrás, o Carlinhos Cruz era muito brasileiro. Hoje eu sou essa fusão, eu sou o que a vida me fez, ela me transformou, e essa transformação se reflete na minha arte. Isso, na verdade, tem que se refletir na arte do cara, senão não é sincero. O ofício da arte, seja ela qual for, é sempre tentar se aproveitar do que a vida nos oferece.
Próxima edição do Sarau Maré acontece dia 12 de Outubro, 6-10pm. Vale lembrar que, apesar de gratuito, o evento é aberto apenas para convidados, dada a limitação do espaço. Para participar, solicite o convite no Eventbrite.
Mais informações sobre o projeto: visite a página do “Sarau Maré” no Facebook ou Instagram @saraumare.
O “Sarau Maré” criou uma campanha de crowdfunding com o objetivo de arrecadar fundos para a edição de revista bilíngue, em que serão publicados textos e poemas do grupo. Vale um clique para saber mais informações sobre a revista.
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