Quando a Lays chegou na Irlanda as possibilidades para chefs não europeus eram poucas, mas o jogo virou e o governo irlandês anunciou recentemente que está em busca de cerca de oito mil cozinheiros profissionais para suprir a carência do setor. E a boa notícia é que, não europeus poderão entrar no mercado de trabalho gastronômico com direito a visto de trabalho.
Meu nome é Lays Gomes. Hoje estou com 22 anos e a cada ano que passa estou mais perto de chegar onde eu quero. Mas onde é que eu quero chegar?
Com 19 anos, me formei no curso de Gastronomia e acreditava estar pronta para o mercado de trabalho. Nunca imaginei que seria fácil, mas também não pensei em tantas outras coisas que teria que enfrentar para alcançar meu objetivo. Com 20 anos, consegui o meu primeiro emprego na área, depois de já ter feito dois anos de estágio em 3 empresas, além de alguns “freelances”. Em minha primeira entrevista, já surgiram as frases “Mas você, com essa idade na cozinha?” “Não tem como te contratar, você deve ter outras capacidades”, “Nossa, mas com toda essa formação, você quer mesmo uma vaga de auxiliar aqui?”, “Mas você não possui nenhuma experiência fora os estágios”, “Tem certeza que você dá conta do recado? O ritmo é muito pesado na cozinha”, sem contar outras frases que já havia escutado enquanto fazia meus estágios, como: “Essa menina pra cozinha…”. Minha resposta para tudo isso foi o silêncio – ficar quieta e mostrar o que sei fazer e deixar com que eles mesmos julguem e avaliem depois de ver meu trabalho.
A questão não é só estar preparada para o trabalho em si, mas também para todo o ambiente de execução. É estar preparada para lidar com pessoas que tentarão te colocar para baixo, tentarão puxar o seu tapete e te jogar para fora – e isso a faculdade não ensina.
Comecei meu primeiro dia de trabalho animada e feliz pelo o voto de confiança. Logo de cara, a chef da cozinha, uma mulher madura, de uns 40 e poucos anos, já me olha com o nariz torcido e diz não ter ido com a minha cara… que quando me viu fazendo entrevista, achou que fosse para uma vaga no escritório e que não parecia que eu trabalharia na cozinha. Minha resposta? Sorri.
Após cerca de três meses, essa cozinheira saiu do restaurante e comecei a cozinhar em seu lugar, com mais uma outra cozinheira, da mesma idade que eu. Foi ótimo, pois tínhamos uma sintonia incrível e o trabalho parecia fluir – e fluiu por alguns meses. Perto de completar meus 21 anos, resolvi mudar e arriscar em um outro ramo, dentre vários que existem na gastronomia.
Filha, neta e sobrinha de professoras, fui dar aulas de culinária em uma instituição da minha cidade. Foi outra experiência incrível, a qual pretendo voltar. Lá pude conhecer várias pessoas legais, trocar experiências, receitas, dicas e tudo mais. Era um ambiente bem alto astral onde todos se respeitavam.
Neste momento cá estou eu, sentada no sofá da minha casa, esperando dar meu horário para ir trabalhar. Onde estou atualmente? Em Galway, na Irlanda.
Quando cheguei por aqui, estava esperançosa em conseguir um emprego na minha área – nada seria mais gratificante – com toda minha experiência, que para muitos outros cozinheiros e chefs pode parecer pouca, mas que para mim é muito. Isso me lembrou uma outra frase que já ouvi bastante: “Você tem 20 anos? Isso eu tenho de carreira”. Muito antes de vir para a Ilha Esmeralda, já sabia dos boatos de que não seria muito fácil conseguir emprego nas cozinhas aqui, pois as vagas eram geralmente como auxiliares e os empregadores sempre buscavam homens, pois o trabalho costuma ser bem pesado e com cargas horárias bem desgastantes.
Isso não me abalou. Não deixa de ser verdade, mas não acreditei muito que seria difícil como falavam. A quantidade de mulheres no Brasil que fazem este trabalho todos os dias, durantes anos, não está nos livros. Obviamente que meu histórico me ajudou e muito. Primeiro mês, muitos currículos enviados, primeira entrevista, primeiro teste, primeiro emprego. Outra porta foi aberta, ou melhor, outra porta eu abri. Desde este dia, comecei a conhecer um outro universo gastronômico, em que quase tudo é diferente – até o que é igual é diferente. Estranho, não é? Pois é. Não busquei e não bati o pé querendo vaga de chef. Queria mesmo é ser auxiliar para aprender tudo antes de fazer. Acredito que temos que deixar o tempo nos levar, mas também não se pode ficar parado esperando.
Primeiro dia, louça que não acabava. Segundo dia, a louça acabou e sobrou tempo para ajudar o chef picando algumas coisas. Terceiro dia, o chef pediu que eu picasse algumas coisas que ele teria que usar, antes de fazer qualquer outra coisa. Segunda semana, primeiro churrasco da temporada de verão e o chef me liga pedindo que eu o fizesse, pois ele estaria em outra cidade.
Primeiro mês, fazia as saladas para o chef e depois lavava algumas loucinhas. Terceiro mês, foi minha primeira vez checando a temperatura das carnes e primeira vez fazendo alguns tira gostos para uma mesa reservada para às 22 hrs. Muitas horas de trabalho… Quarto mês, primeira vez recebendo e conferindo os alimentos que chegaram ao restaurante. Muitas horas de trabalho… Durante esse quarto mês tive meu primeiro dia como chef aos domingos.
Quinto mês, o chef sai de férias – uma semana cozinhando para substitui-lo. Muitas horas de trabalho… Quinto mês, a chave do restaurante.
Não, eu não sou chef aqui na Irlanda ainda, mas com o tempo vamos ganhando confiança e passando a mesma para quem está perto de nós, observando e avaliando nosso trabalho a cada dia. Cada dia é um novo desafio, cada vez que abrimos os olhos pela manhã é uma nova oportunidade de poder estar agregando mais na vida de cada um. Aos poucos a gente chega lá!
Sobre a autora:
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