Mãe, a Irlanda é legal, mas não se compara à terra daí. O feijão é doce. Horrível. A cerveja é preta. Pesada. O clima é frio. Chato.

Pai, o Brasil é legal, mas não se compara à terra daqui. O feijão é doce. Delícia. A cerveja é preta. Saborosa. O clima é frio. Aconchegante.

Na verdade, já estou meio de saco cheio deste país. Todo final de semana é a mesma coisa: pub, pub e pub. Sempre lotados. E se já é complicado conversar em inglês na sala de aula, imagine em um ambiente no qual as caixas de som são do tamanho da turbina de um Boeing. E estar espremido em meio a tanta gente não é a única coisa desanimadora. Sabe quanto custa meio litro de cerveja? Cinco euros! Vou repetir: CINCO EUROS! Mãe, sinto saudades da minha Itaipava.

Ontem saímos novamente para beber. Foi uma noite genial. De novo. Tinha tanta gente no bar que nem parecia domingo. Entre uma confraternização e outra, ouvimos reclamações de um kuaitiano sobre o Hezbollah, aprendemos um pouco mais sobre a causa catalã com um “espanhol” de Barcelona, ouvimos o relato de um ex-militar da Coreia do Sul que certa vez pensara em suicídio e ensinamos um argentino alguns trechos do hino nacional brasileiro. E a melhor parte: pagamos dois euros por pint! Vou repetir: DOIS EUROS! Pai, você precisa experimentar a Smithwick’s.

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Mãe, todo dia eu entro no seu álbum de fotos do Facebook só para invejar a vista da sacada do seu apartamento. Conto os minutos para pisar na areia daquela praia. Quero calor! O clima irlandês é mais irritante do que o João Kléber apresentando teste de fidelidade. Desisti de usar guarda-chuva quando o vento levou aquele de quatro euros comprado na Carrol’s. Uma vez por mês eu deixo meu casaco na lavanderia para tirar o cheiro de cachorro molhado. Ao menos não está nevando como no ano passado, quando escorreguei na rua por causa da calçada lamacenta.

Pai, você viu as fotos que eu postei durante a tempestade da semana passada? Choveu tanto que o rio transbordou. Tentei correr, mas já era tarde. As pessoas que se abrigavam nas lojas apenas viam um ser completamente encharcado andando e tocando bateria com baquetas imaginárias como se nada estivesse acontecendo. Cheguei em casa e fui recepcionado com sopa de beterraba – devidamente saboreada debaixo das cobertas. Ah, o inverno! Ontem fizemos um boneco de neve com espetaculares quinze centímetros de altura. Missão: fazer um maior na próxima “nevasca”.

Já conheço a cidade inteira. Visitei todos os museus, parques, estátuas e qualquer coisa que possa ser chamada de ponto turístico. Para ter certeza que não perdi nada, voltei aos mesmos lugares com uns colegas que desembarcaram por aqui no mês passado. Eu devo ter umas cem fotos só no Spire. Tenho também algumas centenas na Grafton e, claro, no Temple Bar. Hoje a galera aqui de casa estava querendo ir lá no Phoenix Park tomar uma cerveja em frente ao Obelisco. Me entediei. De novo. Pela milésima vez. Haja saco, mãe!

No último domingo conheci a praia daqui. Dez quilômetros de caminhada a partir do centro. Vi irlandesa tomando sol de calça jeans, chinês pescando com touca ninja e leão marinho (ou seria foca?) socializando com patos. Surreal. Já te falei daquele mercado de pulgas que tem todo final de mês? Descobri em um dia desses. Me senti participando de uma experiência antropológica. E quando eu imaginava que já havia conhecido tudo nessa cidade, me deparei com um parque escondido perto de casa. Me surpreendi. De novo. Pela milésima vez. Haja saco, pai!

Mãe, aqui só tem brasileiro.
Pai, tenho amigos do mundo inteiro.

Mãe, quero feijoada.
Pai, já te falei do The Mezz?

Mãe, meus flatmates são insuportáveis.
Pai, nunca mais quero morar sozinho.

Mãe, não consigo trabalho.
Pai, passei o dia entregando currículos.

Mãe, estou farto de subemprego.
Pai, juntei uma grana para viajar no final do mês.

Mãe, meu inglês não evolui.
Pai, seu filho é bilíngue.

Mãe, avisa o pai que eu tô voltando.
Pai, avisa mãe que eu vou ficar.

Leandro Mota

Jornalista desde 2005. Trabalhou por oito anos na Rádio CBN. Fanático por futebol, cobriu duas Olimpíadas (2008 e 2012), uma Copa do Mundo (2010) e outros eventos esportivos. Em 2009, ganhou o Prêmio Jornalístico Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos por uma série de reportagens sobre preconceito e xenofobia na Europa. Certo dia, bebeu demais e acordou em Dublin. Ainda não descobriu como voltar para o Brasil.

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